Há algumas décadas, a TV norte-americana se apropriou do modo hollywoodiano de se fazer filmes. São orçamentos gigantes, atores de carreira expressiva e produções grandiosas. Em um contexto onde temos uma enxurrada de conteúdo que eleva as dramatizações para o nível do exagero, Succession alcançou primor como uma série dramática que não precisou de armas, dragões, sangue e nudez para chegar ao topo, utilizando de linguagem corporativa, personagens excêntricos e dramas familiares para conquistar público e crítica especializada.
A produção foi criada por Jesse Armstrong e dirigida majoritariamente por Mark Mylod (Shameless, Game of Thrones, Entourage). Na trama, acompanhamos a bilionária família Roy, formada pelo patriarca Logan Roy (Brian Cox) e seus filhos Kendall (Jeremy Strong), Roman (Kieran Culkin), Siobhan (Sarah Snook) e Connor (Alan Ruck), e o caminho que percorrem para suceder o trono de seu pai. O reino em questão é a Waystar Royco, um dos maiores conglomerados midiáticos do mundo que une veículos de televisão e de jornal conservadores, amplamente consumidos pela extrema-direita estadunidense, parques de diversões e cruzeiros.
O lado corporativo é o mais óbvio da série, mas é quando aborda as relações familiares que Succession destoa de outras produções. Já na vinheta de abertura vemos crianças que vivem uma vida de luxo, mas que estão sempre sozinhas. O pai sem rosto e fisicamente distante sintetiza como foi crescer num lar onde a negligência afetiva sempre reinou. Pode parecer brega, mas o recado de que riqueza não traz felicidade se naquele ambiente não existe amor é real – e por vezes desolador (semana passada, escrevi individualmente sobre o núcleo familiar e suas características, então se te interessar, a coluna está disponível no portal do Jornal A União).
“O homem, que, nesta terra miserável, mora, entre feras, sente inevitável necessidade de também ser fera”. A família Roy vive num completo jogo de poder e humilhação em luxuosos ambientes grotescos. Se em algum momento sentimos pena ou compaixão por algum personagem, logo vem o puxão de orelha: essa pessoa é sádica e pensa única e exclusivamente nos interesses dela. É assim com Tom e seu banquinho de gente, com Logan e a “brincadeira” dos porcos, Roman e o jogo de baseball apostado contra uma criança e por aí vai.
A única motivação na vida da família é empilhar mais notas por cima dos bilhões que já têm. É um grupo alheio de afeto, como se fosse algo incompatível com o status. Até mesmo com mortes os cercando, no momento do luto eles continuam suas reuniões e articulações políticas internas e externas.
Assistir Succession em plenos anos 2020 pode ser um gatilho forte. Algo que a série faz muito bem é tratar assuntos absurdos com naturalidade como, por exemplo, o fato de que a mídia seja capaz de decidir e manipular eleições presidenciais. É frustrante ver como escolhas egoístas são tomadas relevando as consequências daquelas ações nas vidas de, literalmente, dezenas de milhões de outras pessoas. A cada episódio, sentia mais asco com o fato de que existem bilionários nesse mundo e que são essas pessoas avarentas, cercadas de desperdício, corrupção, egoísmo e gostos excêntricos que seguram os volantes da sociedade movida pelo capital.
O elenco da série é um dos mais convincentes que já assisti. Cada ator e atriz apresenta individualidade e características tão pessoais para cada personagem que é difícil desassociar e perceber que aquilo é ficção. Quem diria que um dos maiores vilões da televisão seria um pai emocionalmente ausente? Brian Cox é o brilho nefasto da série, e esse brilho vem de sua performance genial em todos os episódios. Sarah Snook entrega cinismo constante e é incrível ver em tela como ela traz com sutileza nuances que captamos imediatamente. Luto para achar ainda que Jeremy Strong, Kieran Culkin e Alan Ruck não são exatamente como seus personagens.
Succession é uma obra-prima quando alia atores grandiosos, roteiro afiadíssimo e direção refinada. A série começou a ser veiculada em 2018, mas só em junho, quando eu soube que ela havia terminado, foi que comecei a assistir. Ao mesmo tempo em que gosto de ver a linha de chegada, me arrependi de não ter começado a acompanhar antes a série e ter os respiros e pausas necessários para absorver tudo que está acontecendo. Não sou uma pessoa de repetecos, mas a série entrou para o rol de produções que eu tranquilamente assistiria incontáveis vezes. Talvez não agora, pois, para ser sincera, ainda estou me recuperando desta última temporada. Mas vou usar meu fôlego restante para dizer que, com um final de série histórico, simbólico e sem romantismos, Succession é uma produção impecável do começo ao fim.
*Coluna publicada originalmente na edição de 26 de julho de 2023.