Era meados dos anos 2000 quando o blog Jovem Nerd começou a veicular o Nerdcast, considerado o primeiro podcast de cultura pop e variedades do país. Dez anos depois, o podcast já batia números inimagináveis para uma mídia assim, recente, nichada e independente, alcançando público de mais de um milhão de ouvintes por episódio. Mais de 15 anos e 1.200 episódios depois (além de uma gama de outros produtos audiovisuais), os visionários criadores de conteúdo lançaram, em 29 de agosto, este que é, possivelmente, um de seus projetos de maior escala até então: a audiossérie França e o Labirinto.
Isso: audiossérie! Lembra como eram as radionovelas, com histórias contadas com o recurso de efeitos sonoros, trilha e atores? A ideia é a mesma, só que com episódios mais curtos e criados especificamente para a internet. Nesse caso, o podcast de ficção é primeiro Original Spotify 100% brasileiro, produzido pelo Jovem Nerd com roteiro assinado por Fábio Yabu, autor de Pequenos Objetos Mágicos, e o romancista Leonel Caldela, autor de relevância especialmente no universo do RPG graças à sua Trilogia da Tormenta. França e o Labirinto conta com Selton Mello como protagonista, dando voz ao detetive Nelson França; mas também tem em seu elenco a dubladora Maíra Góes (Angela, policial e ex-esposa do detetive) e Jorge Lucas (delegado Noronha). Tecnicamente, França e o Labirinto será uma experiência nova para grande parte do público brasileiro já que foi feita com a imersiva tecnologia de áudio binaural, em que proporciona ao ouvinte uma experiência 3D de sons. Logo no primeiro capítulo, o locutor dá uma sugestão: coloque seus fones, feche os olhos e aprecie.
De fato, a imersão da audiossérie é algo que faz toda diferença no processo muito bem elaborado que a produção se propõe. Na série, Nelson França é um detetive particular que coopera com a polícia há décadas. Mesmo após um acidente que o deixou cego, França, indiscutivelmente um profissional único, continua trabalhando e ajudando em casos criminais. Quando uma influenciadora digital é assassinada, ele se junta ao delegado Noronha e à policial Angela para desvendar o homicídio e sua crescente suspeita de que o caso é mais complexo do que se imagina. A cegueira do personagem faz toda a diferença na série e essa foi uma das sacadas mais inteligentes dos roteiristas: por ser um deficiente visual, França precisa de descrições dos locais onde está, assim como tem o auxilia de audiodescrição do que está fazendo no celular, e de um cão guia que serve como ouvinte de seus pensamentos altos em boa parte do roteiro, que não conta com narrador. Esses elementos vão construindo cada cenário com uma riqueza de detalhes digna de livros, mas com a caprichada ambiência e sons de uma série televisiva.
Os episódios, 13 no total, são tão maratonáveis e instigantes de ouvir que você se sente compelido a realmente deitar, fechar os olhos, e deixar aquela história te levar numa experiência de “ouvinte em primeira pessoa”. França e o Labirinto traz suspense, pitadas de comédia que Selton Mello entrega como ninguém, e mistérios gostosos de acompanhar mesmo que te deixem à beira dos nervos de tanta frustração. É uma trama bem construída (apesar de um pouquinho previsível), mas, principalmente, muito bem entregue. Eu me peguei com o coração acelerado em alguns trechos, em outros prendia a respiração quando o protagonista se via em apuros.
É mórbido assumir, mas já falei por aqui algumas vezes como a temática de assassinos em série me desperta atenção e esse foi um dos motivos de eu ter gostado tanto da ficção. O programa parece quase interativo, num nível que, por vezes, me senti jogando novamente Heavy Rain, game no qual o vilão é um serial killer e a estética noir está sempre presente. Inclusive, indico demais se você gosta desse título e de outros televisivos como Mindhunter e Hannibal. Todos os episódios da primeira temporada de França e o Labirinto já foram lançados e, da forma como terminou, felizmente temos um ótimo gancho para a segunda parte. Daqui pra lá, teremos um bom tempo para criar teorias mirabolantes e aperfeiçoar nossos sentidos investigativos, tenho certeza.
*Coluna publicada originalmente na edição impressa de 06 de setembro de 2023.