Duzentas semanas, ou 3,81 anos seguidos. Esse foi o maior tempo que consegui dedicar a um projeto meu, mantendo quase sempre a periodicidade e o hábito da escrita. Este texto que você lê agora é este marco: a coluna de número 200.
Sempre me pareceu mais fácil ser coadjuvante nos processos da vida e me dedicar à demandas externas mais do que às minhas próprias quando o quesito era criação de conteúdo. Aliados ao contracheque, contratos e carteiras de trabalho, sempre estiveram podcasts, videocasts, blogs. Projetos vários, dedicação inconstante até o famigerado momento do hiato por tempo indeterminado. Manter a coluna Gi com Tônica, aqui n’A União, é semanalmente um exercício de escrita, mas também de autoconhecimento e perseverança para algo autoral, de nome e sobrenome (Giovanna Ismael, prazer).
Para quem não sabe, a coluna surgiu como uma das ramificações de um novo momento profissional, quando saí do antigo trabalho e quis me dedicar aos meus conteúdos próprios, sem sentir impedimentos ou amarras quanto ao uso da minha imagem. Eis que fiz um evento de lançamento de um canal no YouTube, com convidados, entrevistas, música ao vivo e até copinho temático. Gravei e lancei algumas coisas em vídeo e, paralelamente, comecei a escrever nesse espaço de opinião do jornal. Só que diante do constante atropelo de quem vive como “freelancer-mil-e-uma-utilidades”, cada job que aparecia tomava a frente da fila na minha lista de pendências. E o canal foi parando, parando, parando… e parou. A coluna persistiu e 90% disso se dá pelo fato de esse compromisso ser comigo mesma, com os colegas que fazem o jornal e com você, que lê o que escrevo aqui.
Continuei o projeto Gi com Tônica em vídeo através de lives e, na falta de alguém para me puxar as orelhas, também não consegui manter a periodicidade e continuar o foco. É certo que dou um trabalho ao editor mandando os textos na virada dos acréscimos e até isso virou rotina. É como encaro andar de bicicleta ou ir diariamente para a academia: depois que se torna rotina, é preciso manter a rotina para não descarrilar… Mesmo que a rotina seja me atrasar. Desculpa, Audaci. E desculpa Matheus, que, além de marido, foi convocado desde o começo à função de revisor oficial entre um atendimento e outro nas corridas terças-feiras pré-almoço. “This is my design”, já diria o personagem Will Graham em Hannibal.
Design, algoritmo, mania, vícios, estilo textual. Às vezes, consumo um conteúdo e escrevo um texto, uma resenha ou uma crônica. Outras, o processo é oposto: para escrever algo, vou atrás de consumir um disco, um filme, um livro, um podcast… Em algumas raras vezes, o que escrevo tem pouco a ver com um produto, me abro para estranhos como numa reunião dos Alcoólicos Anônimos. Mas todas as vezes que escrevo, sem exceção, têm algum nível de sentimento puramente sincero. E dá no que dá: um espaço onde eu escrevo sobre rock, sobre pop, sobre peças, sobre musicais, sobre besteiróis e cults (somos o que consumimos e escrevemos, afinal).
Voltei ao dia 30 de maio de 2019, quando publiquei meu primeiro texto neste espaço. Na época, Game of Thrones deu um suspiro de um episódio bom (A Longa Noite, oitava temporada) e eu escrevia empolgada sobre como aquele capítulo naturalizava e trazia mais dimensão às suas personagens femininas. Era um texto meio descritivo com pitadas de humor e uma bela engajada social ao fim. Nessa autoexploração/autocrítica/autopercepção, noto que muita coisa se manteve e outra entrou em campo em eventuais lampejos: a melancolia entrou no recinto. Pandemia, desumanidade, ciclo da vida. Informação demais, sobrecarga de emoções (é a vida, afinal).
Continuo. Sigo falando pelos cotovelos, tentando enxergar para além do preto e branco, me divertindo, sentindo e, contra todas as recomendações que ouvi na infância, conversando com estranhos. Obrigada por chegarem até aqui.
*Coluna originalmente publicada na edição impressa de 22 de novembro de 2023.