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#75 ‘Cuphead’: anos 1930, 1980 e 2010 num só game

publicado: 09/12/2020 08h00, última modificação: 08/12/2020 09h57
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tags: cuphead , GAMES , gi ismael


Quem jogou games nos anos 1980 e 1990 cresceu calejado para os títulos que vieram nas décadas seguintes. Sentido figurativo e literal! Era raridade não desenvolver calos nos polegares depois de uma luta ferrenha em Street Fighter ou Mortal Kombat, ao mesmo tempo em que era igualmente raro terminar 100% dos jogos de plataforma como Super Mario Bros, Contra ou Mega Man. Depois desse supletivo que eram os games frustrantes, com vida limitada e dificuldade surreal, com “detonados” que só vinham em revistas compradas nas bancas, os consoles de CD (Playstation, Xbox, PC) foram chegando para dar uma amenizada e deixar a experiência com dificuldade mais progressiva. 

Aí todo mundo virou “minin criado por vó com leite com pêra”. Vidas finitas? Isso é passado. Voltar pro começo de uma fase? Coisa rara, já que quase todos os jogos passam a ter salvamento automático. Quem nunca salvou o jogo antes de um chefão só pra voltar do mesmo ponto quando morresse? Bem, depois de toda essa evolução e essa bela afofada no travesseiro, agora alguns jogos independentes apostam nos moldes dos pioneiros. Um dos mais bem sucedidos chegou há poucos meses no Playstation 4: Cuphead - Don’t Deal With the Devil.

A história apresenta Xicrinho e Caneco, dois irmãos que vivem na Ilha Tinteiro e, numa noite de perdição no Cassino do Diabo, perdem uma aposta para o dono, o próprio Belzebu. Implorando para que o Infeliz das Costas Ocas não leve suas almas, eles fazem um trato para colher os “contratos de alma” de todos aqueles que já fugiram do Diabo. A propósito, a tradução para o português brasileiro é um deleite à parte.

O jogo é uma coisa linda de se ver. Todo desenhado a mão, imitando o estilo dos desenhos da década de 1930, possui surrealismo típico da época e personagens de grandes luvas brancas e joelhos em infinitos pliès. Jazz é a base da premiada trilha sonora, uma rica composição autoral que passa por sub gêneros como samba-enredo e ragtime. Mais impressionante do que o deslumbre que é o audiovisual? A dificuldade do jogo. Vou contar para vocês que já de início eu passei pelo menos uma hora para passar da primeira fase -- que dura cerca de dois minutos. É um ótimo exercício de persistência e namastê: eu alternava entre palavrões que vinham do core do meu ser e gargalhadas com xingamentos ao game, que eu apelidei carinhosamente de “jogo mizera”. Quem é da Paraíba sabe que é uma palavra com muitos significados, só depende da ênfase.

Nesse ponto mora a mágica de Cuphead: ele não é frustrante ao ponto de você jogar tudo pro alto e nunca mais voltar (pelo menos não a maioria das pessoas). Ele te move a superar cada obstáculo -- muitas vezes com combustível regado a ódio, mesmo. Ah, e o fato de existir o modo co-op com dois jogadores só torna a experiência ainda mais divertida.

O jogo foi lançado em 2017 mas continua tão forte quanto há três anos. Entre os prêmios conquistados estão o Bafta, Steam Awards, SXSW e Game Developers Choice Awards. Sem dúvidas, um futuro clássico com com jogabilidade dos anos 2010, com dificuldade dos anos 1980 e visual dos anos 1930. Você pode encontrar Cuphead em basicamente todas as plataformas atuais, Xbox, Nintendo Switch, Steam, PlayStation 4… O preço dele varia entre R$ 36,99 (Steam) e R$ 104,90 (PlayStation 4). Vale cada centavo -- e cada hilária perda de paciência. 

*coluna publicada originalmente na edição impressa de 09 de dezembro de 2020.