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#174 ‘Enxame’ traz ‘fandoms’ regados a sangue, suor e lágrimas

publicado: 12/04/2023 11h28, última modificação: 13/04/2023 10h04
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Dominique Fishback protagoniza sarcástica série que fala sobre fanatismo de fãs - Foto: Amazon Prime Video/Divulgação

por Gi Ismael*

Por onde eu olho, vejo o que parecem traços obsessivos nas pessoas. É algo comum, todo mundo tem em algum nível. Uns se manifestam em mania de organização, outros são aficionados por certos temas ou até pessoas famosas. Nessa última categoria entra o que a gente chama hoje de fandom. É um termo inglês que se traduz para algo como “núcleos de fanáticos”. O que a gente chamava talvez de fã clubes há algumas décadas, porém com uma conotação mais negativa graças ao domínio da internet.

Nova série da Prime Video, Enxame (título original, Swarm) é uma tensa e sarcástica produção sobre as redes sociais e o fanatismo que cerca artistas de grande repercussão, usando como principal referência a americana Beyoncé Knowles. O nome já é uma dica bem óbvia para quem é mais atento no mundo pop, uma vez que Beyoncé é conhecida como “Queen B” (ou a “Abelha Rainha”) e seus fãs formam o “Bey Hive” (ou “Colmeia”). A estrela age como mero acessório para que uma garota chamada Dre (Dominique Fishback), que compartilha com a irmã Marissa (Chloe Bailey, uma talentosa mulher apadrinhada pela própria Queen B) a casa e a adoração por Ni’Jah (interpretada por Nirine S. Brown e, sim, uma alegoria a Beyoncé), exale tudo o que tem de mais sombrio.

Se você não sabe para onde a história vai, aposto que vai te surpreender como me surpreendeu. Os episódios são carregados de violentas cenas que levantam questionamentos sobre a esquisita relação humana com as redes sociais e como reagimos às nossas compulsões. Confesso que de início, nos dois primeiros episódios, não fui totalmente fisgada pela série. Achei as atuações caricatas demais, não consegui me convencer da premissa. Até chegar ao arrepiante episódio 4, meus amigos, um deleite para quem admira os trabalhos de Ari Aster e Jordan Peele. Dominique Fishback comanda completamente a tela, a cada capítulo (e Billie Eilish merece sua menção honrosa também).

Não tenho vergonha de dizer o quanto subestimei Enxame. Criada por Donald Glover (Atlanta, Guava Island) e Janine Nabers (Atlanta, Watchmen), a série é dirigida por Donald e Stephen Glover, Ibra Ake e Adamma Ebo. A equipe de peso traz até Malia Obama, filha mais nova de Barack e Michelle Obama, como roteirista.

Sabendo exatamente quem seria o principal público da série, os produtores fizeram um jogo interessante de referências ao longo da temporada. Primeiramente, o nome Marissa Jackson vem de uma história viral entre os fãs de Beyoncé, e supostamente uma mulher com este nome tirou a própria vida ao ouvir o álbum Lemonade, em 2016, e perceber que se uma mulher como a Queen B havia sido traída, todas nós estaríamos fadada às desilusões amorosas. A partir deste caso, a série recria diversos crimes reais praticados por pessoas em nome de suas “loucas obsessões”, histórias de deixar a enfermeira Annie orgulhosa, tenho certeza.

Um dos episódios mexe com a nossa cabeça quando traz um documentário fictício, que aborda as personagens da série como pessoas reais, interpretadas por outras atrizes, e até fala sobre a nova série do Prime Video inspirada na história. Eu tô rindo vendo o nó se fazendo na sua cabeça, mas só digo que eles conhecem o público que vão conquistar, e sabem que a cada pesquisa do Google feita pela detetive do caso, nós estamos aqui do outro lado da tela pesquisando a mesma coisa.

A internet dramatizou, tensionou o comportamento humano em diversos níveis e isso é inegável. Se antes tínhamos a beatlemania, que escalonou para a febre das boy bands nos anos 1980 e 90, hoje não temos mais fã clubes e sim exércitos. Cactos (Juliette), army (BTS) ou beliebers (Justin Bieber), Enxame é uma das poucas séries que os desligaria do Twitter por horas a fio.

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Este é um apêndice completamente alheio ao texto acima, mas não poderia deixar de fazê-lo. No último domingo (9), amanhecemos a Páscoa com a triste notícia da morte de Juca Pontes. Ele sempre me pareceu estar por perto. Nas redações, aqui na página 10, nos amigos em comum, nos lugares onde frequentamos… Ele estava lá. Quando trabalhamos brevemente juntos no ano passado, pela primeira vez, o óbvio me foi reforçado: doce, inteligente e atencioso, Juca era único! Um privilégio poder compartilhar, em algum nível, o mesmo plano que ele. Que a família e os amigos recebam todo o conforto neste momento. Meus sentimentos.

*Coluna publicada originalmente na edição impressa de 12 de abril de 2023.