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#186 ‘Fale Comigo’, o ‘cult’ contemporâneo de 2023

publicado: 02/08/2023 14h24, última modificação: 02/08/2023 14h24
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No filme, adolescentes conseguem artefato que os conecta ao mundo dos mortos - Foto: A24/Divulgação

tags: 'Fale comigo' , Gi com tônica , A24

por Gi Ismael*

Dentre as numerosas atividades que aconteceram em João Pessoa no último fim de semana como parte da programação do ImagineLand, a pré-estreia nacional do filme Fale Comigo foi uma das mais antecipadas. O longa-metragem é dirigido pelos gêmeos Danny e Michael Philippou, youtubers conhecidos por seu canal RackaRacka de curtas, e foi tão bem-sucedido em suas pré-estreias que logo foi adquirido pela A24, a querida marca dos novos cults. Com distribuição da Diamond Films, essa é uma trama original das que fazem falta nas agendas de lançamentos dentro e fora dos streamings e, não por menos, diretores como Ari Aster, Jordan Peele, Stephen Spielberg e até o mestre do terror Stephen King rasgaram elogios à produção.

Em Fale Comigo, um grupo de adolescentes consegue um artefato que os conecta ao mundo dos mortos. A partir de um ritual simples, quem segura a mão embalsamada consegue enxergar uma entidade à sua frente e, ao verbalizar a frase “fale comigo”, a pessoa é possuída temporariamente por aquele espírito aleatório. Uma vez que sabem quais são as regras, os jovens passam a se reunir em casa para as sessões de invocação como uma nova droga recreativa, um novo conteúdo inédito para suas redes sociais. A protagonista da história é Mia (Sophie Wilde), uma jovem deslocada que vive o luto pela perda de sua mãe e um conflito quando sua melhor amiga, Jade (Alexandra Jensen), se relaciona com seu ex-namorado. Afastada do pai, Mia é abraçada pela família de Jade, que conta ainda com o irmão mais novo, Riley (Joe Bird), e a mãe, Sue (Miranda Otto).

 “Lá vem, mais um filme bobinho de terror teen”, você pode pensar a partir dessa breve descrição. Mas é justamente por conseguir subverter constantemente as expectativas do público, inclusive quando traz cenários que beiram clichês do gênero, que Fale Comigo é um dos mais instigantes longas de terror contemporâneo. A produção tem uma arrancada forte, um prólogo que desperta curiosidade e cuja trama não é entregue logo de cara, como costumam ser os filmes do estilo “jovens na cabana” e brincadeiras do além. Com um passo cadenciado, o roteiro te faz percorrer um caminho que parece óbvio e que se desenrola no segundo ato. Daí para frente, a vida dos protagonistas vai só ladeira abaixo. Fale Comigo é pesado, grotesco e pessimista, e ainda assim, em seus respiros, consegue apresentar cenas sentimentais que mostram a complexidade dos dilemas vividos pela jovem Mia. No filme, há uma identificação da nossa essência humana até quando ela está tête-à-tête com o sobrenatural.

A produção australiana tem um elenco jovem de rostos pouco conhecidos, mas cada um deles atua de forma bem convincente em tela. O destaque, de fato, é para a Sophie Wilde, que se mostrou uma atriz de mão cheia, capaz de apresentar uma performance ampla e dinâmica, que unida com maquiagem e efeitos especiais no ponto, deixa tudo potencialmente mais aterrorizante. Ah, e ter uma mulher preta como protagonista de um filme de diretores brancos onde sua personagem não é resumida à sua raça (ou seja, há uma normalização de pessoas pretas na tela, sem que sejam apenas “as pessoas pretas” como vemos em muitos filmes de terror) é mais um ponto bastante positivo para o filme.

Na minha – longa – lista de títulos preferidos, entram alguns de terror como A Morte do Demônio (1981), O Massacre da Serra Elétrica (1974) e Corra! (2017). Para minha alegria e graças ao meu temor na poltrona, Fale Comigo se encaixou como uma luva na lista. Preciso me abster dos spoilers por enquanto, e, de qualquer forma, você realmente precisa assistir o longa para sentir tudo que ele propõe. E isso vale para ter a experiência de ver nos cinemas o que, para mim, foi um dos melhores finais de filmes, sejam eles de terror ou não.

Fale Comigo chega aos cinemas de todo o Brasil no próximo dia 17.

*Coluna publicada originalmente na edição impressa de 02 de agosto de 2023.