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#85 ‘Loop’ temporal no cinema

publicado: 31/03/2021 08h00, última modificação: 31/03/2021 11h20
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Bill Murray fica preso sempre no mesmo dia na comédia ‘O Feitiço do Tempo’ (1993)

tags: FEITIÇO NO TEMPO , LOOP TEMPORAL , A MORTE TE DÁ PARABÉNS , PALM SPRINGS


Física quântica, mecânica quântica, glitch na matriz ou um fenômeno simplesmente inexplicável. O conceito de “loop temporal” aparece vez ou outra na cultura pop e, veja bem, não necessariamente no gênero da ficção científica. Essa repetição do tempo a que me refiro não é uma mera viagem ao passado ou futuro, ou “apenas” o conceito de multiversos. Falo aqui especificamente de um evento cíclico (quase) infinito onde uma personagem revive o mesmo dia incontáveis vezes (e nem estou falando do isolamento social na pandemia).

A primeira vez que esta narrativa apareceu nos cinemas foi com o filme japonês A Garota que Conquistou o Tempo (1983), baseado no romance homônimo de Yasutaka Tsutsui. Mas apenas quando o conceito chegou em Hollywood, uma década depois, com Feitiço do Tempo (1993) é que o tema se popularizou numa escala mundial.

O filme estrelado por Bill Murray é uma comédia clássica que, dependendo da sua idade, você provavelmente já assistiu ao menos duas vezes na Sessão da Tarde – e isso não tira nem um pouco o mérito de entretenimento dele. Feitiço do Tempo apresenta o ranzinza repórter meteorológico Phil Connors (Bill Murray) e sua enfadonha missão de cobrir o Dia da Marmota, em 2 de fevereiro de 1993, na pequena cidade de Punxsutawney, Pensilvânia – pelo quarto ano consecutivo. Ele simplesmente detesta tudo: seu emprego, aquela cidade, aquele feriado idiota. Depois de ficar preso no município por conta de uma nevasca e passar a noite numa pequena pousada, ele acorda, novamente, no dia 2 de fevereiro.

A comédia romântica é escrita e dirigida por Harold Ramis (Os Caça-Fantasmas, Máfia no Divã) e seu roteiro segue um simples caminho de autodescoberta do protagonista. Quando percebe-se empacado, Phil enfrenta alguns estágios emocionais ao longo da jornada: primeiro, vem o desespero; logo depois, a aceitação; com ela, vem o modo inconsequente (quebrar leis, ter romances ou socar conhecidos na rua); e, por fim, o aproveitamento do tempo para adquirir novas habilidades (tornar-se um pianista exímio, um fluente em francês ou um escultor de gelo), criar laços e ser uma pessoa melhor. Sem pretensão de explicar cientificamente o que está acontecendo com Phil ou até mesmo encontrando uma solução física para o problema, o filme tem uma resolução filosófica. Foram necessárias, provavelmente, décadas preso no loop para que Phil percebesse o valor da vida e das boas ações.

Quase 25 anos depois, essa ideia de loop temporal aparece no divertido filme de horror cômico A Morte Te Dá Parabéns (2017). A ideia aqui é a mesma, mas apresentada de uma forma diferente: o dia que a jovem universitária Tree Gelbman (Jessica Rothe) revive consecutivamente é o de seu aniversário e, tragicamente, o dia de sua morte. Ela tenta escapar de diversas formas, mas em todos os cenários, ela morre (seja por suicídio ou assassinato) e volta para a estaca zero. Ao longo do filme, Tree tenta descobrir quem a matou para, quem sabe assim, conseguir sair desse ciclo infernal. Não parece comédia, mas é, confia em mim! A Morte te Dá Parabéns também não apresenta conceitos científicos para o fenômeno, mas isso acontece na continuação A Morte te Dá Parabéns 2. Na sequência, são usadas teorias da física quântica para justificar que, o que está acontecendo ali, é uma alteração nos campos magnéticos e que a solução está em cálculos matemáticos.

Mas um filme que revistou o conceito de forma refrescante e muito carismática foi Palm Springs (2020). A comédia romântica que foi sucesso em Sundance no ano passado, caminha por lugares comuns ao tema, como os efeitos do carma, o poder da inconsequência e a solitude. Porém, a narrativa se difere quando já começa com o protagonista Nyles (Andy Samberg) já habituado ao loop temporal, aparentemente preso nele há meses ou até anos. (Spoilers medianos a seguir) Além disso, outras duas pessoas ficam presas com ele no mesmo loop: o arqui-inimigo Roy (J.K. Simmons) e a desconhecida Sarah (Cristin Milioti).

Enquanto Nyles encontra-se num deprimente estado de conformidade, Sarah dedica-se fielmente a sair daquele dia pois, naquele fatídico casamento de sua irmã no deserto, ela cometeu um dos maiores erros de sua vida. Outro ponto interessante é que uma personagem utiliza de seu tempo para, de fato, estudar o fenômeno e descobrir uma saída depois de todas as fracassadas tentativas “filosóficas” de escapar do loop.

Depois de assistir (e reassistir) esses filmes num espaço de um mês, me percebi uma entusiasta do gênero, se é que podemos chamar assim. Ter assistido diferentes produções que teoricamente abordam o mesmo tema foi mais uma prova de que não existe ideia cansativa quando há um olhar criativo por trás, por mais que a ideia possa parecer… repetitiva.

*Coluna publicada originalmente na edição impressa de 31 de março de 2021.