Reflito bastante sobre as passagens da minha infância para a adolescência e, desta, para a vida adulta. Penso na rebeldia, no sentimento de não pertencimento e como, por mais que ouvisse incessantemente meus pais dizendo que também passaram por todos os mesmos conflitos, por mais livros e filmes que tenha devorado sobre o assunto, nunca estive realmente preparada para a reviravolta que é alcançar a adolescência. Já falei aqui na coluna sobre o meu amor pelo gênero de filmes coming of age, aqueles que mostram justamente essa fase da vida e algum ponto de virada que faz a protagonista chegar mais perto da vida adulta. O assunto chega de novo, mas desta vez para exaltar uma obra de arte sonora. Perto de completar uma década desde o lançamento, o disco The Suburbs, do Arcade Fire, envelheceu como um bom vinho.
The Suburbs foi um dos primeiros discos narrativos que ouvi de uma banda dos anos 2000 (isso, claro, depois de clássicos de décadas passadas, como The Wall, do Pink Floyd, A Night At The Opera, do Queen, ou ainda Sgt. Peppers Lonely Hearts Club Band, dos Beatles). O álbum conceitual trazia 16 faixas numa “ode à infância, a expansão suburbana e aos sonhos conquistados e perdidos” de jovens do subúrbio. O clipe para a música-título dava perfeitamente o tom metafórico que acompanha o disco: uma guerra civil entre vizinhanças simbolizava a inevitável vida adulta e a vontade de permanecer jovem. Por mais que fosse obviamente distante do meu contexto social de adolescência na Paraíba, eu me identificava de alguma forma a cada frase traduzida, cada música que descobria na sequência quase ininterrupta do disco.
Meses após o lançamento, já em 2011, estreava também o filme Scenes From The Suburbs, de Spike Jonze (Adaptação, Ela), baseado no disco do Arcade Fire. Jonze, que por anos foi conhecido pela documentação inédita da cena skatista norte-americana dos anos 1990, criou um refinado e impactante curta-metragem agregando a narrativa já bastante visual do disco sem tornar a experiência insossa. Hoje, acho uma coincidência curiosa achar que estes dois produtos marcaram uma reviravolta estilística e um amadurecimento tanto para Spike Jonze quanto para o Arcade Fire.
Envelhecimento, perspectivas de vida, passagens e experiências são retratados em disco e no filme de forma melancólica como se estivessem no mesmo universo de Boyhood (Richard Linklater, 2014). Com 18 anos de idade, eu ouvia o The Suburbs no MP3 player do computador ou no Youtube despido dos recursos de hoje. Caloura na faculdade de Jornalismo, tudo era uma descoberta. Eu me focava mais na sonoridade do que nas letras em sim e pensava que Grammys no currículo significavam alguma coisa. Dez anos depois, me encontro ouvindo o mesmo disco numa plataforma inimaginável (por mim, ao menos), escrevendo sobre o álbum em minha coluna semanal no jornal impresso. Interpreto inevitavelmente o disco de outra forma. Ouço-o como foi idealizado: numa perspectiva saudosa. Para mim, agora pouco importam Grammys, Emmys, Oscars. Sou sedenta por experiências.
Cantando sobre a efemeridade da vida com a pandemia em mente, os versos “tire seus pés do asfalto quente e os coloque na grama / porque já passou” presentes na primeira faixa batem ainda mais forte. Os muros construídos na década de 1980 já começam a cair, nossas florestas ficam nuas e nossos prédios mais altos, séculos se passaram desde a escravidão e ainda vivemos numa sociedade extremamente racista. “Então, você consegue entender / Por que eu quero uma filha enquanto ainda sou jovem? / Eu quero segurar a mão dela / E lhe mostrar um pouco de beleza / Antes que todo o dano seja feito”. Ainda há beleza restante?