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#211 ‘Holocausto Brasileiro’ expõe horrores nacionais

publicado: 20/03/2024 08h47, última modificação: 20/03/2024 08h47
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‘Holocausto Brasileiro’ sobre o Hospital Colônia de Barbacena: disponível na Netflix | Foto: Divulgação

por Gi Ismael*

Durante mais de sete décadas, o Hospital Colônia de Barbacena, localizado no estado de Minas Gerais, foi cenário de uma das maiores atrocidades da história brasileira. Chancelado e gerido pelo Estado, o instituto falhou continuamente em todas as esferas da sociedade, matando mais de 60 mil pessoas, em sua maioria pobres e pretas, durante anos de funcionamento. Essa história tenebrosa é contada com detalhes no livro Holocausto Brasileiro, da jornalista Daniela Arbex, obra que em 2016 foi adaptada para filme que recentemente entrou no catálogo Netflix. Ter contato com esses títulos é uma experiência dolorosa e incômoda, mas necessária para entender a luta antimanicomial no país e, obviamente, para que barbáries assim não se repitam.

O título não é exagero. Além do número horripilante de mortes, debaixo do teto daqueles pavilhões pessoas foram despidas de suas dignidades e roubadas de suas condições humanas. Com estrutura para abrigar 200 leitos, os livros registram mais de cinco mil internos simultaneamente. Abandonadas, morreram de inanição, frio e doenças; mulheres foram estupradas, crianças torturadas e deixadas às moscas. Identidades roubadas, cadáveres vendidos, eletrochoque. Um pandemônio. A Colônia era um depósito de gente, um hospital psiquiátrico que fazia escárnio de sua função. Ensaio sobre a Cegueira parece uma história de ninar se comparada a esse capítulo e essa história dificilmente chegaria até nós se não fossem os poucos registros fotográficos e jornalísticos feitos nos anos 1960 e 1970, amarrados em 2013 com a grande reportagem de Daniela Arbex.

Reformulado apenas nos anos 1980, o Hospital Colônia de Barbacena foi atravessado pela Ditadura Militar e, como você pode imaginar, o cenário e condições precárias serviram como uma luva para os fascistas em poder. As décadas de 1960 e 1970 registram o maior número de mortes no manicômio: no período, além de escancarado o projeto de higienização social e segregação racial, presos políticos foram adicionados à lista de “pacientes” do local.

É difícil ler e visualizar tudo isso. Mas como deixar para trás uma história que não responsabiliza até hoje seus agentes executores? Que não tem respostas ou que não aponta culpados? Deveria ser obrigação do Estado escancarar os absurdos, responsabilizar culpados, indenizar sobreviventes e familiares e prometer não mais repetir o que aconteceu. E, há poucos dias do marco de completar 60 anos do golpe militar no país, o Estado decide manter o silêncio.

Sob a prerrogativa de “evitar remoer o passado”, o presidente Lula faz a horrível escolha de colocar à frente sua relação com as Forças Armadas do que ajudar a pagar essa dívida com a sociedade. O que aconteceu em Barbacena também faz parte deste capítulo que precisa ser contado em sua totalidade. O que aconteceu lá foi, também, um microcosmo das sádicas e criminosas práticas do Estado durante a Ditadura Militar. A gente não pode escolher as vendas e os silêncios. Nunca mais.

*Coluna publicada originalmente na edição impressa do dia 20 de março de 2024.