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#212 “Nada realmente acaba(...)”

publicado: 03/04/2024 08h26, última modificação: 03/04/2024 08h26
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Beyoncé namora o country e dá versão para clássicos | Foto: Divulgação

por Gi Ismael*

 

“(...)Para algumas coisas continuarem o mesmo/elas precisam mudar novamente”. Esses versos, cantados em inglês por Beyoncé, abrem seu novíssimo álbum Cowboy Carter, lançado na última sexta-feira (29). E assim, de repente, chegamos na fase country da artista que até pouco tempo atrás estava mergulhada na música disco e cultura ballroom.

Assim como Renaissance, primeiro ato do novo trabalho, não é exata e puramente do gênero “disco”, Cowboy Carter reúne uma grande equipe de produtores, compositores e intérpretes para montar um trabalho potente, dinâmico e robusto. O lançamento vem com cara de clássico desde a primeira música – e neste “clássico” entram especialmente fortes influências do rock clássico e blues, caprichando nos instrumentos de cordas e percussões, tirando o protagonismo dos sintetizadores e beats eletrônicos.

É preciso punho forte para mexer com os clássicos, diga-se de passagem, e Beyoncé sustentou o calibre em duas faixas: “Blackbird” e “Jolene”. Vai ser difícil abstrair da minha análise o fato de que Beatles é a banda da minha vida e que admiro imensamente o trabalho de Beyoncé (fãzoca mesmo), então não vou nem tentar fazer isso. O cover de “Blackbird” é uma das melhores, se não melhor, interpretação que já ouvi do clássico escrito por Paul McCartney. Completamente honrosa ao clássico, a nova faixa adiciona violinos e vozes, fazendo jus a versos como “pássaro negro, pegue essas asas quebradas e aprenda a voar/ toda sua vida você estava apenas esperando por este momento para se erguer”, escritos por McCartney nesta canção inspirada nos movimentos civis negros dos EUA e contra a repressão sofrida por mulheres pretas. A canção é interpretada por Beyoncé e outras mulheres pretas, todas cantoras de country music (Tanner Adell, Brittney Spencer, Reyna Roberts e Tiera Kennedy). Já numa proposta diferente, Dolly Parton deu o aval e emprestou sua voz para introduzir a “Jolene” de Beyoncé, uma faixa que agora traz uma protagonista bem menos passiva com o fato de que outra mulher quer roubar seu marido. Menção honrosa para “Oh Louisiana”, de Chuck Berry, que é desconstruída para aparecer no disco como uma vinheta.

Unindo nova e velha guarda, Beyoncé convida para o disco Shaboozey, Linda Martell, Post Malone, Willie Nelson e Miley Cirus. No meio do caldeirão que dá bastante certo, temos samples de Beach Boys, Lee Hazlewood e o funk do brasileiro DJ Dedé Mandake na faixa “Spaghetti”. Entre as muitas parcerias, um nome se repete nos créditos do disco: Raphael Saadiq. O produtor musical já trabalhou com Erykah Badu, Stevie Wonder, D’Angelo, Mary J. Blige, John Legend e Whitney Houston.

É um fenômeno uma artista ter a projeção que ela tem, ter cada passo seu ansiosamente esperado, furar bolhas ao redor do mundo, e ainda assim continuar fazendo sucesso mesmo lançando discos conceituais. Sem inundar as rádios de singles aleatórios, desde Lemonade (2016), ela trabalha exaustivamente naquele conteúdo específico. Que outra pessoa viva, que não Beyoncé, lançaria um disco de 27 faixas e quase 1h20 de duração em pleno 2024 e conseguiria a mesma projeção?

Confesso que fiquei desanimada quando me dei conta de que a Renaissance Tour não viria para o Brasil e que, provavelmente, a turnê do “disco country” é a que viria. Mas já depois da primeira audição, me sinto pronta com “jeito de cowboy, num corpo de mulher”. Desculpa, não tenho muitas referências do estilo.

O título e a primeira frase dessa coluna não são acidentais. Depois de cinco anos escrevendo semanalmente aqui, hoje me despeço do jornal A União pronta para, como o melro-preto, alçar voos. Continuo, entretanto, em projetos paralelos e trabalhos ligados às artes e cultura paraibanas. Mas não posso me despedir sem alguns agradecimentos. Agradeço imensamente ao colega Felipe Gesteira, que em 2019 me propôs o desafio de ter uma coluna semanal no único jornal impresso da Paraíba. Tão agradecida quanto, sou também a Audaci Júnior, que pelos quatro anos seguintes foi editor deste caderno, amigo da cadeira ao lado, companheiro de pautas, ideias e críticas (e o melhor “escolhedor” de fotos dessa coluna). Obrigada também a Renato Félix, cujo trabalho admiro desde quando eu cursava jornalismo e almejava, um dia, fazer diferença para o jornalismo cultural paraibano, assim como ele o fez. Por fim, ao meu companheiro de vida e de tudo o mais, Matheus Pimenta, que sempre aos 45 do segundo tempo (por minha culpa, rs) tirou uns minutos para revisar cada um de meus textos, trazendo sugestões sempre certeiras e um apoio incondicional a tudo que faço.

E obrigada a você, leitora e leitor, que me acompanhou neste tempo. Vida longa ao jornalismo, à liberdade de informação e de expressão – desde que respeitados os direitos de outros indivíduos –, à cultura, e ao centenário jornal A União!

*Coluna publicada originalmente na edição impressa do dia 03 de abril de 2024.