Amanhã completa exatamente um ano desde a primeira edição do festival #EuFicoEmCasaPB. Lá, em 18 de março de 2020, a covid-19 era muito recente. A pandemia havia chegado na Paraíba há poucos dias e boa parte da sociedade ainda temia o vírus como aquela ameaça desconhecida. Negócios sentiam o impacto, lojistas começavam a investir no delivery, artistas viram nas vaquinhas uma possibilidade de sustento.
Eventualmente, muita gente relaxou e encarou a situação como "controlada", à essa equação, somaram-se a péssima gestão e exemplo do presidente da República, o negacionismo e a falta de vacinas (não necessariamente nessa ordem, mas absolutamente complementares). O resultado disso, estamos vendo de perto. Uma volta ao redor do sol, e antes tivéssemos voltado à estaca zero: o que acontece agora é bem pior.
Esse é um texto sobre o festival, mas não apenas sobre ele. Me acompanha aqui.
A logística do webfestival #EuFicoEmCasaPB em 2020 foi complexa, cheia de aprendizados e estresses comuns a quem está adentrando num terreno completamente novo. Decidimos que a melhor forma de fazer acontecer aquele ambicioso e onírico projeto seria através de videochamadas com os artistas, cada um em sua própria casa. Essas videochamadas eram transmitidas ao vivo para o público, que podia contribuir com o cachê das atrações através de uma vaquinha virtual. Imagina trabalhar com 111 atrações, de cidades diferentes, equipamentos diversos, Internet que variava de acordo com a casa… É, nem tudo foi da melhor qualidade -- e assim encaramos como aprendizados. Todos esses malabarismos e “corres” começaram, em primeiro lugar, porque a classe artística não havia recebido qualquer tipo de apoio do poder público. Não era ok, já era absurdo. Mas demos o benefício da dúvida levando em consideração a “novidade” que foi a pandemia.
Corta para 2021.
A montagem da edição de um ano do #EuFicoEmCasaPB, que acontece de 18 a 21 de março, só foi possível por conta da Lei Aldir Blanc, uma conquista suada dos agentes culturais e um belo "não fez mais do que sua obrigação" do governo federal. Torcemos para que patrocinadores nos apoiassem e visualizamos uma edição comemorativa especial, com melhor qualidade de transmissão e áudio, com direito a palco, decoração, maior distribuição de cachês e contratação de profissionais técnicos, que sentiram um impacto gigante nesses meses. Mas as águas de março vieram como um balde de água gelada. As tensões voltaram, as mortes aumentaram, e a única forma de fazer acontecer o evento, com segurança, seria exatamente como fizemos nas primeiras edições.
Dessa vez, 16 artistas participam. Eles foram selecionados através de um processo muito bonito e democrático, como havia de ser. Entre as boas notícias é que tivemos muitas mulheres entrando através de voto popular, uma representatividade de quase 50%. Teremos presentes também artistas negros, artistas LGBTQI+... O coração ficou quentinho. Vai ser bonito.
Com isso, tentamos sacudir o medo de estarmos assistindo o poço sendo cavado. Volto a frisar: Bolsonaro e seu governo genocida carregam a culpa por esse total descaso que vivemos. Trocar quatro vezes de Ministro da Saúde durante um ano de pandemia e, em nenhuma dessas vezes, tomar decisões efetivamente boas para a população, nem na saúde, nem na economia.
Não é apenas sobre o festival. Mas nossa resistência e a forma como o evento acontece, mesmo um ano depois, traduz muito sobre o cenário político, sobre gestão, erros deliberados e escolhas. Estamos em casa, mas o barulho continua.
*Coluna publicada originalmente na edição impressa de 17 de março de 2021.