Quando escrevi há alguns meses sobre Jury Duty, série de comédia do Prime Video, comentei como aquela havia sido uma das produções televisivas mais únicas que tinha assistido até então. A estrutura docuficção/reality show do programa é bastante inventiva e muito bem elaborada, com situações roteirizadas e outras improvisadas de arrancar gargalhadas. Nada disso deixou de ser verdade, mas um outro programa recentemente me deixou desconcertada com seu argumento, construção e conclusão: O Ensaio, dirigido, escrito e protagonizado por Nathan Fielder.
A sinopse parece algo saído do Discovery Home & Health ou do GNT: neste reality, a equipe do programa busca ajudar uma pessoa a enfrentar alguma situação social na qual ela está temerosa. A situação pode ser contar um segredo para um amigo, ter uma conversa difícil com um familiar ou até mesmo fazer um test-drive pela maternidade. Comandando o programa, Nathan não mede esforços para fazer o ensaio perfeito, criando réplicas de cenários e contratando centenas de atores para montar a cena perfeita e, dessa forma, trazer os possíveis cenários que podem acontecer quando aquela pessoa for enfrentar a situação verdadeira.
Durante os primeiros episódios, é exatamente isso que acontece. Mas numa reviravolta repleta de metalinguagem, quando o próprio Nathan Fielder participa de seu experimento, O Ensaio é elevado para uma área turva entre realidade e ficção, com a comédia “vergonha alheia” dando espaço para questões éticas do programa, com um súbito peso dramático. Me senti como se estivesse assistindo uma série baseada livremente em Sinédoque, Nova York, de Charlie Kauffman. Sim, o “bagui é lôco”.
O Ensaio foi lançado em 2022 com seis episódios de cerca de 30 minutos cada e, apesar de renovada para uma segunda temporada, ainda não há datas previstas para tal. A série foi bem esperada por um público que acompanhou por anos o trabalho de Nathan no Comedy Central, quando encabeçou o programa Nathan for You (2013 - 2017). A proposta de O Ensaio, inclusive, foi inspirada em dois episódios desta outra série de “docureality”, no qual Nathan busca ajudar pessoas a serem bem sucedidas em seus negócios. Em seu trabalho mais recente, The Curse (2023), Fielder roteiriza, dirige e estrela ao lado de Emma Stone esta comédia satírica escrita em parceria com Benny Safdie (Bom Comportamento, Joias Brutas).
Garanto que se você apenas assistir aos trailers de cada um desses programas, vai compreender um pouco mais a insanidade gostosa que são essas produções – e eu confesso que não conhecia o trabalho protagonizado por ele até poucos meses atrás. Quando vi seu nome como produtor e roteirista de programas como Who Is America? (criado por Sacha Baron Cohen) e Important Things with Demetri Martin, fez bastante sentido.
Sinto um certo magnetismo nesses programas que brincam com nossa noção de realidade tão absurda ao ponto de parecer ficção, como são os programas de jornalismo gonzo estrelados por Louis Theroux, os escrachados filmes de Sacha Baron Cohen e as criativas série de Nathan Fielder. Pensei se conhecia alguma produção nacional e não lembrei de nada do gênero.
Comentei sobre O Ensaio com minha enteada e ela me trouxe um título como dica: Bipolar Show (2015-2017), do Canal Brasil. Meio que não tem nada a ver, mas meio que tem tudo a ver: nesse não programa de auditório, improvisos e edição inesperada, Michel Melamed contracena com celebridades das mais diversas áreas. Assisti apenas alguns cortes e ainda não entendo como não conhecia a série. Fica a dica: no YouTube você encontra episódios completos (provavelmente, esse será um dos temas aqui da coluna logo mais).
*Coluna publicada originalmente na edição impressa de 10 de janeiro de 2024.