Permitam-me uma pausa nas pautas culturais para usar esse espaço para algo mais. A coluna desta semana é sobre amizade. Sobre amor, família, batalhas e, principalmente, sobre continuar.
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Meus pais tinham mais ou menos a minha idade quando partiram de João Pessoa para São Paulo, na década de 1980. Foram, como muitos, tentar uma vida melhor, ter mais oportunidades e criar um lar firme para o meu irmão, ainda um bebê na época. Viveram lá por 10 anos -- foi nesse tempo que a família aumentou e chegamos minha irmã e eu para completar nossa casa de 5. Sempre cercados de poucas amizades, reais e fortes, meus pais voltaram sem deixar muita bagagem na fria capital paulista. Bagagens são efêmeras; se desgastam, acabam. Regressaram, sim, tendo criado uma valente raiz; um elo familiar da porta ao lado, que compartilhou conosco inúmeras saídas para parques, conversas, risadas, choros e rabadas: falo aqui de Tia Tuca e Tio Ricardo, que não precisei aprender a chamar de “tios” -- sempre foram --, e seus filhos Riccieri e Rafael, meus primos. A amizade dos meus pais com eles é dessas poucas e boas, motivo pelo qual escolheram Tia Tuca e Tio Ricardo como meus padrinhos.
Nossos pais, paraibanos, lá foram ‘paraíbas’ para muitos, mas não para Tia Tuca, não para Tio Ricardo. Eram amigos, se tornaram irmãos. A família Valente cuidou da minha e vice-versa, até que se tornaram “nossos”. Vieram para João Pessoa alguns anos depois e viveram uma das férias mais marcantes deles, me diziam meus tios relembrando cenas engraçadas que viveram por aqui. Com as dificuldades da vida adulta, as visitas diminuíram, mas nunca cessaram por completo e, quase todos os anos, nos encontrávamos com nossa família sudestina, por um ou dois dias. Principalmente nossas matriarcas, leoas do lar, nunca deixaram de se apoiar.
Com as redes sociais, a distância diminuiu e pudemos comemorar cada conquista em tempo real. Notícias boas e notícias ruins. Foi há mais ou menos 10 anos que Tia Tuca nos comunicou que estava doente. Lutou e venceu por diversas vezes durante a última década, mas a enfermidade insistia em voltar. Nesta semana, Tia Tuca faleceu. Partiu, mas nunca deixou que a doença a definisse. Manteve-se do jeitinho dela, aquela baixinha espoleta. Brincava, sorria, ficava pra cima e pra baixo o quanto podia, e nunca deixou de estar presente (e de dar presentes!) para aqueles que amava. Nunca deixou de ser mulher fortaleza, amiga, madrinha, tia, mãe, esposa. Sorte grande de quem pôde viver ao lado de Tia Tuca.
Nos vimos pela última vez em outubro do ano passado, eu estava voltando da minha lua de mel e fizemos questão de encaixar nossas agendas para almoçarmos juntas. Eu disse o quanto ela era uma inspiração para mim, ela me disse o quanto se orgulhava da mulher que eu havia me tornado, da minha carreira jornalística ainda tão recente. E percebo que é justamente na escrita onde encontro um grande conforto nesse processo de luto.
Gostaria de poder ter feito isso em outra ocasião, Tia. Mas esse espaço aqui hoje é seu. Que fique registrado em papel também: você é tão forte que vai continuar nos inspirando pela eternidade. O seu amor e sua garra transpassam, transbordam. Você é luz.
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Meu marido costuma dizer algo que, agora, carrego para sempre. A essência é que nossas relações mais sólidas são aquelas em que nos apaixonamos pelas raízes, e não pelas flores ou folhas. Sejamos solo e raiz e enfrentaremos outonos e invernos, verões e primaveras.
*publicada originalmente na edição impressa de 24 de julho de 2019