Sempre achei um tanto exageradas as representações do Japão quando falavam sobre a relação daquela sociedade com a cultura pop. Sabe de nada, inocente. Comecei a processar a força do entretenimento nipônico ainda no aeroporto de Narita: a escada rolante que dava para o saguão principal era cercada por uma parede temática de Mario Bros. Isso continuava em várias partes: anúncios com personagens de Dragon Ball ou One Piece nos metrôs, publicidade do governo utilizando figuras do Pokémon e por aí vai. Era frequente ver pelas as ruas de Tóquio um grupo de pessoas fantasiadas brincando de Mario Kart na vida real - tá, sem a parte divertida de lançar cascos de tartaruga e outras armadilhas por aí.
É curioso como o país nos acostuma (e até influencia) ao silêncio, quietude em metrôs, ônibus, lojas, restaurantes ou ruas, em contraposição com a quantidade de estímulos visuais e sonoros no mercado de entretenimento. Já viu o episódio d’Os Simpsons em que um desenho animado provoca ataques epilépticos em todo mundo? Pois bem, acho que escapamos por pouco.
As estações de games tinham cabines fotográficas que criam efeitos bizarros nas fotos (como aumentar os olhos e colocar MUITA maquiagem), jogos de tiro, jogos no estilo Guitar Hero, e muitas, muitas máquinas gruas para pegar bichinhos de pelúcia… e celulares. E lanches. E mouses ou teclados. Ou ainda headphones. Geralmente os últimos andares no subsolo ou na parte superior eram pequenos cassinos e outros jogos de apostas lotados de jovens, adultos e idosos concentrados em cada objetivo. Ah, a sessão de jogos de carta no estilo ‘Magic: The Gathering’ também existe nesses espaços, mas da forma mais não-analógica possível uma vez que você acopla a carta a um arcade para servir de consulta durante o game.
O coração não aguentava ficar muito tempo nesses lugares, então de vez em quando era necessário uma espairecida. Eu até entrei em lojas de mangá para satisfazer aquela Gi otaku da adolescência, garimpando por edições especiais de revistas que eu costumava ler ou ainda bonequinhos icônicos com personagens de animes. Não é exagero quando digo que 90% não era familiar; não que fossem produtos antigos da indústria, mas porque o universo da cultura pop é imenso no Japão, com uma produção em escala inimaginável para a gente. Os cinemas, por exemplo, passam poucas produções internacionais, geralmente dubladas e cada lugar tinha pelo menos duas salas que exibiam animes. Incrível, sim. Mas não dá para passar batido pelo fato de que a indústria otaku no Japão é exploratória, um pesadelo para muita gente que trabalha em áreas criativas.
Já escrevi aqui na coluna sobre a paixão mundial dos karaokês inclusive entre as vozes mais tímidas. Pois estive lá onde tudo começou, e, claro, onde há toda uma cultura em volta das noitadas. Poucos estabelecimentos funcionam madrugada adentro como as casas de karaokê, abertas até o sol raiar. Existem centenas de franquias no Japão, como a BigEcho, que contam com cabines individuais e “serviço de quarto” e você paga por tempo de uso, geralmente. Enquanto os japoneses frequentam mais esse estilo de karaokê, os gringos vão para os bares, no estilo microfone aberto. É que, segundo uma amiga nipônica, os japoneses não são tão desapegados da timidez assim.
Karaokês e bares, inclusive, são atividades em grupo, enquanto que em estações de jogos e cassinos só os turistas iam acompanhados. Na verdade, a tendência é que cada vez mais os japoneses se isolem do tête-à-tête e escolham viver mais no mundo virtual. Quinta-feira à noite pelas ruas de Shibuya, um badalado bairro de Tóquio: luzes por todos os lados, letreiros, bares, lojas de eletrônicos, aquela coisa toda. E gente, muita gente. Em um dos principais cruzamentos, uma aglomeração de pessoas que pareciam esperar o sinal verde para seguirem com o rebanho para o outro lado da rua. Só que elas nunca atravessavam. Estavam ocupadas, as dezenas de pessoas que fixavam atentamente nas telas dos smartphones, jogando Pokémon Go.
Mas nada disso que citei era tão absurdo quanto os cassinos japoneses. Esses lugares são ensurdecedores ao ponto de você não conseguir conversar com a pessoa ao seu lado. O isolamento acústico dos estabelecimentos faz o choque ser ainda maior quando se entra nas lojas: dezenas de máquinas, talvez centenas, lado a lado, cada uma com sua própria música, efeitos sonoros e infinitas bolinhas de ferro que batem em placas de acrílico até caírem no buraco e gerar, assim, mais bolinhas que equivalem a ienes no fim das contas. Fiquei tonta só de lembrar.
Se a impressão foi de que eu não gostei das experiências, ledo engano (menos dos cassinos, aí é verdade sim). Vou usar uma frase que eu e meus companheiros de viagem temos usado bastante: saudades do meu Japão! Como não dá para voltar (ainda), semana que vem volto aos textos sobre a expedição para falar sobre templos, religião e espiritualidade.