Sabe aquela sensação de um copo de água gelada bebido no início da manhã, com o corpo sedento? Ela é parecida com a que eu sinto quando saio da plateia encantada ao final de um espetáculo impecável. Este frescor me atingiu no fim de semana quando assisti ao show da Quadrilha no projeto Cambada do último dia 17. O rastro teima em ficar aqui e me faz fechar os olhos quando minha memória resgata os acordes em cordas vocais, sorrisos e parcerias musicais.
Formado por Amorim, Elon, Guga Limeira e Pedro Índio, o quarteto paraibano usa a voz como instrumento principal fazendo malabarismos com arranjos, harmonias e melodias de encher os ouvidos. A Quadrilha tem pouco mais de um ano de existência, mas foi só na semana passada que o primeiro single, a música ‘Abismo’ (de Pedro Índio Negro), foi lançado. Os quatros se apresentavam e encantavam na noite paraibana neste meio-tempo dentro e fora do estúdio. Mas foi no Espaço Cultural onde os quatro fizeram um show para fincar o pé no chão e avisar: viemos para ficar.
Isto porque a forma como o grupo surgiu foi um tanto inconvencional e despretensiosa. Explico: Titá Moura, também cantor e compositor paraibano, encabeça um projeto chamado Terças Parahybridas no Recanto da Cevada. A partir da curadoria, passou a jogar a bola para alguns artistas se juntarem para shows inéditos. Foi aí que começou o grupo com Pedro Índio, Guga Limeira e Elon. Mais tarde, Amorim viria para unir as cordas vocais. Já entrevistei e/ou fotografei cada um deles e, quando soube do casamento arranjado, sabia que bons frutos viriam dali -- mas não que seriam tão doces. As apresentações no Recanto e em outros bares da cidade foram as primeiras casas de um projeto que precisava reverberar em espaços maiores.
No sábado, o quarteto harmonizou figurino e decoração intimista com canções feitas pela Quadrilha e outras autorais que fazem parte de projetos solos ou em bandas de cada um deles. Ainda, composições paraibanas revisitadas pelos músicos incluíram obras de Totonho e Paulo Ró, Milton Dornelas, Titá Moura, Chico César, Jackson do Pandeiro e Cátia de França.
Foi no tablado da Sala de Concertos Maestro José Siqueira a primeira vez em que o quarteto esteve num palco teatral -- e foi também a primeira vez que os assisti ao vivo (das minhas dívidas que carregava nas costas). Apesar de muito autossuficiente, estar num metro quadrado maior exigiu mais corpo, por isso a banda foi acompanhada de Rhuan Pacheco no baixo, Lue Maia na percussão e Helinho Medeiros no acordeon. Ainda assim, a essência da Quadrilha com dinâmica de vozes e instrumentos continuou presente por todo o repertório, do cover de Gilberto Gil no bloco inicial aos passos à frente e para trás dos balancês que embalaram a noite.
De início, queria escrever que me senti fora do meu corpo quando fiz parte daquela plateia, mas a verdade é o oposto disso. Me fiz presente em carne, osso e arrepios. Ao mesmo tempo em que queria fechar os olhos e sentir tudo com sentidos mais aguçados, não queria perder as nuances da personalidade de cada um dos quatro e como isso se traduzia para o palco: os calcanhares dignos de Dorothy nas notas mais agudas de Guga, as mãos valsadas de Pedro Índio, o corpo saltitante de Elon, o tato cuidadoso de Amorim nos violões e na guitarra.
O capricho que a Quadrilha tem no palco (e com ele) é o cuidado que eu quero ter com tudo nessa vida. Quero levar para mim a química, a musicalidade, a descontração, as cores, a poesia. Tudo isso me faz concordar com uma canção de autoria do quarteto: "o mundo gira devagar; se um lado é avesso e turvo, o outro lado é tanta luz, a olhos nus qualquer um pode enxergar".