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#6 Aquilo que envolve palco, alma e talco

publicado: 05/06/2019 10h24, última modificação: 03/11/2020 11h26
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- Foto: Reprodução

tags: karaokê , gi ismael , gi com tônica

(coluna publicada originalmente na edição impressa de 05 de junho de 2019)

Era um dia da semana. Qualquer um, durante anos. Eu, de farda do colégio, chegava em casa e me deitava na cama após aquelas longas horas em sala de aula. Ligava o discman, colocava os fones e fechava os olhos. Podia ser o Dark Side of the Moon rodando. Podia ser um CD de MP3 onde eu compilava canções e criava uma playlist eclética não proposital, com Marilyn Manson e Coldplay no mesmo disco ou ainda Os Mutantes e Alanis Morissette. Independente da música, o ritual sempre envolvia me imaginar em cima do palco executando aquelas músicas, como baterista, como guitarrista, baixista ou vocalista. Várias de mim encarando uma enorme plateia, até. Eu não sabia tocar nada, mas pouco importava para aquele sonho lúcido. Era incrível me imaginar ali em cima sendo assistida, apesar de toda a timidez que sempre me consumiu. Talvez por esse desejo reprimido, sempre me divirto tanto em karaokês.

Me surpreendeu positivamente quando, perambulando pela noite de João Pessoa, vi cada vez mais bares trazendo a proposta de karaokê durante a semana. Aqueles que tinham pouco movimento nos dias úteis encontraram o pote de ouro. Já os mais tradicionais começaram a ser preenchidos por públicos diferentes, gente jovem. Existe opção com banda ao vivo, com músicas midi e até projeção de YouTube com uma mestre de cerimônias Drag Queen.

Lembrando assim, de cabeça, atualmente resistem o clássico Karaokê do Napoleão, enquanto surgem outros como o do Atol, do Empório Café, do Café da Usina, do Cabaré Brasil, Private Pub...

As pessoas que cantam bem são ovacionadas nesses espaços. E sabe do melhor? As que cantam mal também, há evidências. Diferente dos palcos “reais”, ficar debaixo dos holofotes numa noite de karaokê é se despir de vergonhas e de julgamentos, já que a maioria das pessoas deixa de ser público para se tornar artista de madrugadas musicais eventualmente. É diferente daquele churrascão da família, quando o seu tio que canta mal encontra um microfone sabe-se lá como e embarca no show de um homem só. Também não é a mesma coisa de se apresentar como uma banda que é excelente no disco, mas na performance ao vivo é um desastre. No karaokê não tem isso: está liberado ser ruim, ser amador. Diversão é a chave de tudo, então nem sempre o sentido é mostrar talento.

Um amigo que comanda uma banda em noites de karaokê toda semana reforçou a teoria. Ele disse que esse gosto das pessoas tem a ver com a adrenalina, é encarar o medo de subir num palco e cantar para pessoas desconhecidas. Já perdi as contas de quantos roqueiros vi entregues de corpo e alma em canções de Chitãozinho & Xororó ou Backstreet Boys. Conheço pessoas que são quietas no dia a dia mas deixam uma festa inteira ouvi-las cantando. Se você não é dessas pessoas, eu tenho certeza que conhece alguém que seja assim.

Acho que pelo menos uma vez na vida, todo mundo deveria encarar um karaokê, olhar bem na tela e admitir de uma vez: E nessa loucura de dizer que não te quero/Vou negando as aparências/Disfarçando as evidências/Mas pra que viver fingindo/Se eu não posso enganar meu coração?/Eu sei que te amo.

O palco de karaokê traz um tiquinho de realidade àquele sentimento que eu tinha quando idealizava uma vida de rockstar, é provável que seja assim para muita gente. Uma certa inocência com o sonho de ser uma estrela, estar num lugar para onde poucos são alçados. Deve ser por isso que dizem que a noite é uma criança.