Há meses eu ouvia a frase “assista Fleabag!”. Me interessei com a empolgação alheia, mas fui empurrando a ideia mais pra frente.
“Assista Fleabag!”, me disseram outros amigos um tempo depois. Esperei mais um pouco. Outras séries pediam minha atenção, sabe?
“Assista Fleabag!”, eu comecei a repetir num diálogo interno e coloquei como meta para o que restava de 2019.
A hora veio. Nada programado, mas tive o tempo livre para isso e, dedicada, me aconcheguei no sofá de casa. O arrependimento bateu na hora e bateu forte. Por que eu não havia assistido antes?
A série é escrita e protagonizada pela britânica Phoebe Waller-Bridge. Tudo começou quando a roteirista, produtora e atriz escreveu em 2013 o monólogo de mesmo título que logo tornou-se um sucesso de público. Após essa avassaladora receptividade, a adaptação para a televisão estreou em 2016 pela BBC Three e Amazon Prime Video. A série conquistou alguns prêmios e indicações, mas foi com a segunda temporada, lançada apenas neste ano, que Fleabag alçou o patamar de programas inesquecíveis, juntando até o momento 24 troféus e mais de 60 nomeações em competições da indústria.
Fleabag, a hilária protagonista de 30 e poucos anos de idade, é proprietária de um café temático na urbana Londres que está a beira da falência. A jovem se nega a pedir ajuda aos seus familiares, a irmã Claire, uma executiva bem-sucedida, casada com um norte-americano inconveniente e alcoólatra; e o pai, que se relaciona com a madrinha delas, uma artista plástica passivo-agressiva cheia de comentários cínicos, após a mãe das garotas morrer. Flea tem uma mezzo-compulsão por sexo casual e uma melhor amiga “alma gêmea” chamada Boo.
A série não é de muitas camadas ou de histórias paralelas, e esse é um dos motivos pelos quais ela consegue se focar e desenvolver tão bem as tramas principais. É possível desenvolver afeição e empatia por (quase) todos os personagens mesmo com apenas 12 episódios de 30 minutos cada. A questão é que eu senti muito Fleabag. Com a escrita de Waller-Bridge e a atuação de todo o elenco, eu estive numa montanha-russa. Gargalhei na hora de rir, senti desespero nas cenas dramáticas. Senti raiva, senti o tesão e o amor expostos em tela. Fleabag é uma série muito real uma vez em que tudo aquilo ali não somente é possível como, muitas vezes, é normal. Até mesmo cometermos erros grotescos e termos uma família “disfuncional” que, bem, funciona.
A quebra da quarta parede é constante e certeiro na série (bem mais do que House Of Cards), na verdade, é uma das principais características dela. Com isso em mente, o fim da primeira temporada abstém a protagonista de interagir com a câmera durante os últimos 5 minutos do episódio. Numa entrevista para o talk-show The Tonight Show com Jimmy Fallon, a criadora falou um pouco sobre ter demorado três anos para dar continuidade à trama: “A não ser que eu conseguisse reinventar um motivo pelo qual ela falasse de novo com a câmera, eu não poderia justificar essa volta”. E ela fez mágica quando trouxe uma surpreendente segunda temporada para a mesa. Enquanto a de 2016 é focada na inevitabilidade humana de errar, no luto e no ódio por si, a mais recente aborda de maneira nada piegas a superação e a capacidade, o merecimento, de amar e de ser amada.
Tanto foi o sucesso da continuação que nessa segunda-feira foram anunciadas as nomeações para o Prêmio Globo de Ouro do próximo ano e não foi surpresa que Fleabag tenha aparecido na lista já que a série levou diversos Emmys e Baftas em 2019. Inclusive, Phoebe, que está nos meados de seus 30 anos, tornou-se a segunda pessoa da história da TV a simultaneamente ser indicada aos prêmios de Melhor Drama e Melhor Comédia por duas séries diferentes em uma mesma competição (Fleabag e Killing Eve, também escrita por ela).
A notícia triste que te trago é que a série acabou. Para mim, esse é seu único defeito (sim, falo isso com uma grandessíssima dor de cotovelo de alguém que teve um amor relâmpago por um produto audiovisual). Mas, assim como o pré-luto pelo fim de Bojack Horseman que já falei por aqui antes, meu coração está aquecido com a recente lembrança da joia que foi Fleabag e ansioso para o que mais está por vir da mente brilhante de Phoebe Waller-Bridge. O show continua e já tenho em mente os próximos passos: assistir as séries Killing Eve e Crashing e ao novo filme da franquia 007, o Sem Tempo Para Morrer (ela está no time de roteiristas do longa). Não espero nada menos do que uma nova década, no mínimo, genial.
*publicada originalmente na edição impressa de 11 de dezembro de 2019