Há poucos dias, a Mattel e a Warner anunciaram que o filme Barbie bateu a marca de 1 bilhão de dólares em arrecadação de ingressos ao redor do mundo. Poucos títulos na história (sem ajuste de inflação) alcançaram o patamar e, atualmente, acima do filme da boneca está Vingadores: Ultimato. Ambas são produções feitas nos moldes da industrialização da arte, com foco no lucro e quanto o filme e seus produtos vão render a longo prazo. Mas, entre os dois, Barbie tem um “porém”: é a síntese do capitalismo se apropriando de uma pauta social. Isso é, em sua totalidade, ruim?
Barbie traz de uma forma bastante introdutória tópicos abordados no feminismo liberal ao redor do mundo. São questões válidas acerca do patriarcado e suas consequências e do sexismo nocivo que enfrentamos diariamente. E por mais que seja também extremamente válido questionar a apropriação de um discurso para fins lucrativos, não consigo deixar de pensar como Barbie será o primeiro contato e a porta de entrada sobre questões feministas para centenas de milhares de pessoas ao redor do mundo.
Ainda na semana de estreia do filme, diante da notícia de que o longa havia sido a terceira maior estreia do Brasil, alguém comentou na internet que duas senhoras, vestidas de rosa, estavam no ônibus a caminho do cinema. O internauta, então, complementou: “furamos a bolha!”. Se houve alguma bolha furada, não foi a de alcance de público: estamos falando aqui de um filme sobre a boneca mais vendida da história há mais de 60 anos. Estamos falando de uma marca que passou pelas mãos de avós, tias, sobrinhas, mães, filhas, netas, bisnetas…
Ao atravessar gerações, a boneca também cruzou por mudanças na sociedade, inclusive na própria percepção do produto em questão. Lembro de um movimento no começo dos anos 2000 que começava a questionar os padrões e a beleza ditada pela sociedade patriarcal e um nome sempre aparecia: Barbie. A boneca loira. A boneca branca, de pernas longas e proporções irreais. Ela era uma das grandes culpadas. E como uma cineasta como Greta Gerwig, que tem em sua filmografia títulos feministas, poderia abordar uma boneca por tanto tempo considerada inimiga?
Ela soube trabalhar as contradições de forma ácida, sagaz e contrastantemente leve. E entramos agora no ponto importantíssimo: pense num filme divertido! As gargalhadas gostosas ecoavam no cinema (lotado em plena terça-feira) do começo ao fim, enquanto todo mundo parecia bastante investido na história. Barbie traz sacadas inteligentes e até antecipa discursos de um público mais crítico (a tirada da “salvadora branca” e o próprio discurso anti-Barbie, por exemplo, são maravilhosos). Uma boa dose de bobajada não fez nem um pouco mal na trama. A direção de arte traz uma nostalgia gostosa e nos primeiros 10 minutos de filme eu me surpreendi com uma vontade gostosa de chorar. As piscinas de plástico, as miniaturas, os pequenos detalhes de carros e roupas me levaram de volta para minha infância, na última geração onde a maior tecnologia vigente era a internet discada. Faz um tempo que não compro bonecos para a minha pequena coleção e já estou pensando “Mattel leve todo meu dinheiro e me dê essa Barbie Estranha!”. Chegou a era action figure da Barbie.
Mais divertido do que o filme, só as discussões dos podcasters “red pill” sobre como estão ofendidos com a retratação masculina na obra e como o Barbie releva problemas enfrentados por homens (sem perceberem que a própria figura do Ken traz vários desses conflitos). E, gente, o nome do filme é literalmente Barbie. O filme é sobre ela (que representa todas as mulheres) em primeiro lugar. Um dia vão entender que o longa critica justamente como é nocivo ser retratado de forma estereotipada e subjugada? Jamais saberemos.
Barbie é um filme pipocão, divertido e com uma mensagem legal. Ele não será, nem pretende ser, uma revolução feminista (peraí, gente). Mas assim como a boneca pode ter tido um papel no empoderamento de muitas meninas desde o século passado, o filme de Greta Gerwig pode ser ponto de partida para que algumas problemáticas do sistema patriarcal sejam finalmente compreendidas (por gente de todas as idades e de diferentes contextos) e, se dermos sorte, enfrentadas.
*Coluna publicada originalmente na edição impressa de 9 de agosto de 2023.