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#142 Beyoncé no embalo consistente de ‘Renaissance’

publicado: 08/08/2022 10h42, última modificação: 08/08/2022 10h42
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tags: beyoncé , reinassance , disco , ballroom , drag queen , queer

por Gi Ismael*

Se eu dediquei uma coluna inteira para falar sobre uma única faixa lançada por Beyoncé em junho passado, é óbvio que eu sentiria necessidade de dedicar esse espaço ao novíssimo disco Renaissance. Isso porque, com uma liberdade criativa que é quase palpável, Beyoncé chegou aos ouvidos do mundo inteiro na última sexta-feira (29) com um dos álbuns mais consistentes – e dançantes – de sua carreira.

O disco chega dois anos após o lançamento do The Lion King: The Gift, álbum-visual que acompanha o remake de O Rei Leão (2019), e será lançado em três partes, mas desde 2016, com o impactante Lemonade, Beyoncé não lançava um álbum de inéditas. E quando o single ‘Break My Soul’ foi lançado, a expectativa era por um trabalho fora da curva. Eu até arrisquei falar na coluna de junho sobre as possíveis influências de Chaka Khan e Whitney Houston e acho que esse chute foi um gol com impedimento, digamos. Foi, mas não foi. Ou não só.

Renaissance tem pouco mais de uma hora de duração, dividido em 16 músicas, quase todas interligadas de forma contínua, como se você estivesse ouvindo uma discotecagem ao vivo. E a intenção é justamente esta: te levar para a pista de dança, sem descanso, por horas. E não qualquer pista de dança: as pistas de dança das baladas gays e dos eventos de ballroom, uma competição em que pessoas, em sua maioria LGBTQIA+, desfilam e competem em desafios de dança por troféus ou outros prêmios. Nesses ciclos, existe todo um estilo de dança que engloba termos e técnicas como “vogue”, “duckwalk”, “dips” e por aí vai. Eu falei mais sobre isso na coluna de 16 de junho de 2021, quando escrevi sobre o reality de competição Legendary, e também na coluna de 10 de janeiro de 2020, quando o tema do meu texto foi a série Pose.

Agora você pode me dizer que o que Beyoncé faz hoje, Madonna fez em 1990 com o hit ‘Vogue’. Mas o lançamento da estrela do pop é carregado de polêmicas e a maior crítica da comunidade “queer” da cena ball é que Madonna se apropriou do estilo de dança vogue, o tornando popular sem que houvesse retorno algum para a comunidade que a inventou (ou seja, pessoas queer negras e latinas). O debate é que, mais uma vez, uma pessoa branca pega algo de uma cultura a qual não pertence e é tida como a precursora daquilo, o grande gênio por trás do movimento. Na contramão, ouvir o primeiro ato de Reinassance é ter uma aula de história da arte contemporânea feita pela comunidade negra desde os anos 1970, inclusive dos símbolos da música disco e da cena drag.

Músicas como ‘Pure/Honey’ e ‘Alien Superstar’, por exemplos, são feitas para as baladas das boates gays ao redor do mundo. Não é um eletrônico suave, música lounge de coquetel. É agressivo, com palavras de ordem, percussão acentuada, facilmente músicas que ouviríamos como trilha sonora de filmes como Clímax, de Gaspar Noé, ou Party Monster, de FentonBailey. Nessas faixas, Beyoncé cita frases da jamaicana Moi Renee, ícone drag dos anos 1990, além de celebrar a House of La Beija e outras “casas” da cena ball. Além de trabalhar com artistas pretos cis e trans na produção do disco e na composição de letras, como a DJ Honey Dijon, o rapper e cantor Drake e a compositora Nija Charles, Beyoncé reverencia ao longo do disco uma série de ícones em diferentes nichos, como Basquiat nas artes plásticas, Foremost Poets na poesia, Barbara Ann Teer no teatro, Grace Jones na música e na moda e por aí vai.

Atravessando décadas, o álbum fecha com a música ‘Summer Renaissance’, uma ode à Donna Summer e a música disco. Depois de personificar um renascimento da música feita para as pistas de dança das boates e clubes mais undergrounds – honrando nomes importantes que moldaram este cenário –, mal posso esperar pelo restante da trilogia, com Beyoncé mais segura do que nunca, segurando firme as rédeas de sua própria carreira.

*Coluna publicada originalmente na edição impressa de 3 de agosto de 2022.