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#149 Desde que eu tenha o rock and roll

publicado: 05/10/2022 00h00, última modificação: 14/11/2022 10h16
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Capa de ‘Os Mutantes e Seus Cometas no País do Baurets’, lançado há 50 anos - Foto: Imagem: Polydor/Divulgação

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por Gi Ismael*

O ano de 1972 foi simbólico na carreira d’Os Mutantes. Foi nesta época que o grupo celebrou o rockabilly de Little Richard e Chuck Berry e que flertou mais incisivamente com o rock progressivo através do disco Os Mutantes e Seus Cometas no País do Baurets. Mais do que isso, foi neste período em que Rita Lee lançava um trabalho solo que não era solo (Hoje é o primeiro dia do resto da sua vida, excelente disco, diga-se de passagem, foi um álbum feito pelo grupo, mas assinado apenas por Rita por questões contratuais) e era expulsa do grupo pelo seu então marido Arnaldo Baptista. Ou seja, há 50 anos, Os Mutantes como se conhecia até então, começava a se dissolver.

Os Mutantes e Seus Cometas no País do Baurets veio num momento onde os irmãos Sérgio e Arnaldo almejavam fazer o rock progressivo como o de Yes e de Emerson, Lake & Palmer – o maior exemplo disso é a faixa homônima do disco. Em quase 10 minutos de pura psicodelia, jazz e rock, na qual pouco mais de um minuto é cantada, a música é uma das supremas do gênero já feitas Brasil afora. Mas, quando se passa a olhar, de fato, para além da visão de fã, o disco não é dos melhores. Não digo tecnicamente, porque se tem algo que o grupo sempre foi, foi virtuoso, criativo e tecnicamente inspirado a sempre se superar. Inclusive, esse álbum foi o primeiro do Brasil gravado em 16 canais no então recém-inaugurado Estúdio Eldorado, o único do país que tinha uma mesa de som com a tecnologia.

Porém, ouvindo a obra hoje, alguns anos após ler Rita Lee: uma autobiografia (Globo Livros), o olhar menos encantado é possível. É como se faltasse em Seus cometas… mais fé no próprio trabalho, que parece uma colcha de retalhos onde poucos pedaços são realmente marcantes. Falta na obra o tempero que fez com que os quatro primeiros discos da banda (Os Mutantes, 1968, Mutantes, 1969, A Divina Comédia ou Ando Meio Desligado, 1970, e Jardim Elétrico, 1971) a levasse para um local inexplorado da música brasileira: o caldeirão dos bruxos em que se misturavam a poesia, o rock, a diversão, o desprendimento, a tropicália, a loucura.

O sentimento que eu tive ouvindo recentemente o Os Mutantes e Seus Cometas no País do Baurets (título que homenageia Tim Maia, que apelidava a cannabis de “baurets”), foi o mesmo que às vezes me traz o Abbey Road: a banda está toda lá, mas não há mais tanta conexão, simbiose. Existem músicas divertidas, como a sarcástica ‘Cantor de Mambo’ que fazia alusão a Sérgio Mendes, à época visto como o representante da bossa nova no exterior, e a heavy metal Black Sabbath-iana ‘A Hora e a Vez do Cabelo Nascer’, assinada pelo grupo em conjunto com Liminha. Mas nesta poção, excede-se o ego e falta mais Rita.

Apesar da voz de Lee aparecer apenas colorindo os backing vocals na maioria do disco e assumir a liderança em duas faixas (‘Vida de Cachorro’, em homenagem ao seu pet Danny, e ‘Rua Augusta’, uma regravação da canção de Hervé Cordovil), é notável que suas intervenções criativas que davam vivacidade aos primeiros títulos da discografia foram deixadas de lado. Sua presença maior neste quinto álbum é em uma das mais marcantes faixas da carreira do grupo, ‘Balada do Louco’, composta por ela, mas interpretada por Baptista.

O ano de 1972 é abordado no livro de Rita Lee, que conta sobre os bizarros anos subsequentes de sua carreira solo, quando Arnaldo Baptista supostamente ia aos shows da cantora apenas para fazer gestos negativos da plateia e falar como aquilo estava horrível. Até parece que é loki, bicho.

“Hoje, os Mutantes são considerados cult, especialmente a fase da qual fiz parte, o que muito me orgulha. Estávamos sim anos-luz à frente do nosso tempo, pena a nossa alegria espontânea ter perdido para a falsa ilusão da glória passageira”, disse Rita em sua autobiografia.

Neste momento, você pode se perguntar: fã ou hater? Considero Os Mutantes a melhor banda brasileira de todos os tempos, uma das minhas preferidas da vida. Dito isso, é difícil sair dela um disco genuinamente ruim. Os Mutantes e Seus Cometas no País do Baurets é um sólido “quatro estrelas”. Mas, usando um meme moderno, vale a brincadeira da manchete fantasiosa para resumir a banda pós-quinto álbum: “DRAMA! Os Mutantes perdem tudo, inclusive a mulher e o rock and roll”.

Coluna publicada originalmente na edição impressa do Jornal A União de 4 de outubro de 2022