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#167 É assim que se faz uma adaptação – parte 2

publicado: 22/02/2023 00h00, última modificação: 23/02/2023 10h25
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Implacável líder popular interpretada por Melanie Lynskey não existe no jogo - Foto: Foto: HBO/Divulgação

tags: the last of us , hbomax , gi ismael , gi com tônica

por Gi Ismael*

Na semana passada, escrevi um pouco sobre os episódios 2 e 3 da série The Last of Us e como a produção vem aprimorando a história já bem impactante do game lançado em 2013. Hoje, quero trocar umas palavras sobre os episódios 4 e 5, intitulados Por Favor, Segure a Minha Mão e Resistir e Sobreviver, respectivamente.

Com um passo mais lento, o primeiro deles aparece como um respiro nas introduções dos personagens e contextualizações da trama. Já entendemos sobre o passado de Joel (Pedro Pascal), os grupos armados e a infecção, por exemplo. Depois do devastador episódio de Bill (Nick Offerman) e Frank (Murray Bartlett), foi bem-vinda a pausa também nas fortes emoções (mas só por um episódio, como já sabe quem assistiu ao capítulo 5). O foco desta vez é o estreitamento dos laços entre Ellie (Bella Ramsey) e Joel, que ressignificou sua missão e não mais enxerga a adolescente como uma mercadoria – e nada melhor do que meter o pé na estrada por longas horas dentro de um carro para fazer isso acontecer.

De alguma forma, a garota enxergava além da carapuça durona de Joel, tentando quebrá-lo com senso de humor e descontração na pesada rotina de sobrevivência. É tão duro o cotidiano que no momento que Ellie dá o primeiro disparo da arma roubada, o protagonista se sensibiliza e tenta confortá-la, afirmando que não é justo uma criança passar por uma experiência traumatizante assim. A série tem conseguido deixar mais densa a trama do jogo e nesse momento em que Ellie é responsável pela primeira morte de alguma pessoa, não foi diferente. No game, esse primeiro tiro de Ellie, por exemplo, deixa Joel furioso ao invés de empático. A adaptação deixa muito mais bonito o momento da primeira vez em que Joel se permite gargalhar junto com Ellie. Ele entende que ela tem muito que ensinar a ele, inclusive sobre superação. Sobre resistir e sobreviver.

Percebo que os roteiristas têm diminuído o rancor dos personagens e aumentando a carga dramática de suas narrativas. São escolhas muito inteligentes já que é necessário preencher o tempo em tela (no jogo, temos horas de jogabilidade stealth, percorrendo o mapa, matando silenciosamente infectados e humanos, explorando itens e por aí vai).

Paralelamente à jornada da dupla, conhecemos no episódio 4 a história de uma líder popular chamada Kathleen (Melanie Lynskey), história que não existe no jogo. A construção de uma personagem que quer vingar a morte de seu irmão, uma figura pacífica revolucionária dentro dos sobreviventes anárquicos, já começa a fazer sentido com uma discussão principal no segundo game da franquia: em um contexto desumano, todo mundo é desumano em alguma proporção. Não há morte sem consequências, não há como se extrair o bem de uma humanidade vingativa e que luta por sua sobrevivência a todo custo.

Emendando agora o episódio 5, Kathleen é o gancho para que aconteça o encontro de Joel e Ellie com os irmãos Henry (Lamar Johnson) e Sam (Keivonn Woodard). A trama da HBO incluiu outros detalhes que deixam ainda mais tocante o enredo familiar, como a surdez, a leucemia e a idade mais nova do pequeno Sam. A amizade dos dois jovens é construída como uma irmandade, um sentimento de cuidado entre irmãos tão belo que Joel, mais uma vez, permite-se à sensibilidade. Se a trama dos dois com aquele desfecho do homicídio e suicídio já havia sido pesada de deglutir no jogo, a série expandiu o universo de forma que ficamos muito mais íntimos e protetivos dos personagens.

A adaptação conseguiu captar bem o clima de apreensão e horror do produto original e reviver a cena dos túneis e do sniper foi maravilhoso. A apressada no ritmo da história fez com que fôssemos introduzidos um pouco antes à grotesca figura do Baiacu, um outro tipo de mutação do cordyceps e de forma catártica na série. Bônus para o detalhe fantástico do mesmo modus operandi do monstro de matar sua vítima abrindo o crânio com uma rasgada do maxilar. Ave.

Passamos da metade da série e temos mais quatro episódios pela frente. A partir do próximo, começo a comentar cada capítulo individualmente, explorando mais a trama e menos o comparativo entre game e adaptação. Te espero!

*Coluna publicada originalmente na edição impressa de 22 de fevereiro de 2023.