por Gi Ismael*
Não sei se vocês souberam, mas aconteceu um babado fortíssimo na cerimônia do Oscar no último domingo… ‘No Ritmo do Coração’ passou a perna no recordista de indicações ‘Ataque dos Cães’ e venceu o grande prêmio da noite, acreditam?! Sarcasmos à parte, tanto já foi debatido, mastigado, re-mastigado, cuspido e engolido sobre o que aconteceu entre Will Smith e Chris Rock, que hoje me reservo a escrever sobre o prêmio em si. E, novamente, a maior premiação global de cinema mostrou que quase nunca é sobre premiar excelentes filmes que saem da tradicional história de amor.
Fiz uma maratona gostosa em uma semana. Ainda assim, não consegui assistir todos os indicados a melhor filme (faltou ‘Drive My Car’, ‘O Beco do Pesadelo’ e ‘Licorice Pizza’). Conversando com amigos e lendo a opinião de algumas pessoas da área cinematográfica (entre jornalistas e produtores), era quase consenso que o grand prix ficaria entre ‘Ataque dos Cães’, drama de Jane Campion, ‘No Ritmo do Coração’, de Siân Heder, e ‘Duna’, de Denis Villeneuve.
Aí vinham os cálculos subjetivos: ‘No Ritmo do Coração’ é um ótimo e tocante filme, mas não tem uma narrativa inovadora, nem uma direção atípica ou trilha sonora incomum; ‘Duna’, uma excelente ficção científica, talvez fosse experimental demais para garantir, de fato, a estatueta de ouro em qualquer categoria senão técnicas; por fim, ‘Ataque dos Cães’ marca todas as caixas de um excelente filme, em questão de roteiro, trilha sonora, fotografia, performances, direção, e pode agradar tanto o público de “festival de arte” quanto o público “o que tem na Netflix?”. Na minha opinião pessoal, o mais merecido. Na opinião prática, era o mais lógico.
E isso parecia ainda mais provável quando Jane Campion subiu ao palco para receber o Oscar de melhor direção. Não cumprida a tradição, o filme entrou para a lista que contém ‘Roma’ (2018), ‘O Resgate do Soldado Ryan’ (1998), ‘O Pianista’ (2002) e algumas outras películas promissoras ano sim, ano não.
Agora interrompemos esta coluna imparcial na medida para chamar o quadro “Mereceu ou Não Mereceu (baseado unicamente na performance do filme)?”. Melhor ator para Will Smith: Não Mereceu! (Cumberbatch merecia); Melhor Figurino para Cruella: Mereceu!; Melhor Canção Original para ‘No Time To Die’: Não Mereceu! (‘Be Alive’, de Beyoncé, merecia); Melhor Fotografia para Duna: Não Mereceu! (‘A Tragédia de Macbeth’ merecia); Melhor Roteiro Original para ‘Belfast’: Mereceu!; Melhor Ator Coadjuvante para Troy Kotsur: Mereceu!; Melhor Atriz Coadjuvante para Ariana DeBose: Mereceu!.
Tapas e tretas à parte, são as expectativas e as apostas que causam o buzz da premiação desde o momento em que são anunciados os indicados. Sem ter outro evento com esta projeção e magnitude global, o Oscar “é o que tem pra hoje” mesmo mostrando que mais do mesmo é premiado a cada nova edição. O que me parece ultimamente é que numa tentativa de limpar sua imagem de um prêmio feito de, e para, o “homem branco estadunidense” (não é só da boca pra fora: em 2016, 93% dos seis mil membros da Academia eram brancos, sendo 76% homens), o Oscar se cobre ora de uma tentativa de representatividade que não é genuína, ora de escolhas insossas e óbvias.
*Coluna publicada originalmente na edição impressa de 30 de março de 2022.