O Natal envolve memória afetiva. É aquela reunião da família, comida à vontade, risadaria e muitas vezes o tédio gostoso (não vamos negar). A gente idealiza aquilo que o capitalismo nos disse que era o verdadeiro clima de festividades: é a Coca-Cola, o pinheiro falso, a neve de algodão e o pisca-pisca desligado para que a conta de energia não venha tão alta. É o momento da oração que sempre tem aquele familiar ateu que entra na roda, dá as mãos, e olha para os próprios pés pensando “eu poderia ter escolhido sapatos melhores”. Eu. Eu sou essa familiar. E preciso dizer que... amo o Natal!
Todo mundo tem uma tradição natalina. Pode ser a tradição de não fazer nada, ou de assistir a um especial na TV aberta, ouvir aquele disco de jazz ou Simone. Para mim, poderia ser reassistir ‘Esqueceram de Mim’ (1990), ‘Feitiço no Tempo’ (1993) ou ainda ‘Duro de Matar’ (1979). Mas não, o filme que me escolhe todos os anos é ‘O Estranho Mundo de Jack’, a animação sombria lançada em 1993 pela Touchstone Pictures e, a partir de 2006, sob o selo da Walt Disney Pictures. Três grandes nomes se destacam na produção: o roteirista e produtor Tim Burton, o compositor Danny Elfman, com quem já havia trabalhado alguns anos antes em filmes como ‘As Grandes Aventuras de Pee-wee’ (1985), ‘Os Fantasmas se Divertem’ (1988) e ‘Batman’ (1989), e Henry Sellick em sua estreia como diretor.
Baseada num poema de Tim Burton, feita com a técnica stop-motion (fotografar tudo quadro a quadro) e repleta de números musicais marcantes, a trama nos leva para a Cidade do Halloween, um universo paralelo onde sempre é Dia das Bruxas e monstros e criaturas do submundo andam livres pelas ruas escuras e frias. A cidade tem um prefeito duas-caras, mas ninguém é tão popular quanto o assustador Jack Skellington, o Rei das Abóboras. Ele, entretanto, está cansado da rotina e quer implementar algo diferente na cidade quando descobre acidentalmente um portal para a Cidade do Natal. Lá, ele enxerga uma fonte de inspiração para mudança e decide levar o clima natalino para a cidade do susto. Enquanto isso, Sally, uma boneca de pano com moldes de 'A Noiva do Frankenstein', faz de tudo para tomar conta de Jack e impedir que ele faça alguma besteira.
Justamente por ter uma atmosfera mais sombria do que de natalina, o filme foi lançado no Dia das Bruxas e não levou inicialmente a marca Disney, apesar de ter sido produzido pelo estúdio. Esse clima temido por tanto tempo pela Disney foi o que me fisgou desde o princípio. O design dos personagens é apaixonante. As nuances e personalidades de cada um na trama, os detalhes de figurino e cenário sempre me deixam boquiaberta. Tudo é muito mágico, mesmo na cidade do Halloween. O roteiro tem seus pontos fracos, como a construção meio forçada do romance entre Jack e Sally, que acabam não convencendo muito como o casal perfeito no fim das contas. Isso acaba sendo apenas um detalhe quando um dos pontos mais fortes do filme está presente do começo ao fim: as brilhantes canções compostas por Danny Elfman. Sou apaixonada por musicais e esta, sem dúvida, está entre as minhas cinco trilha sonoras originais preferidas.
Lembro de quando assisti o filme pela primeira vez. Foi mais ou menos nessa época do ano e eu, uma adolescente meio gótica, meio emo, fui fisgada do começo ao fim. O Natal, como eu disse lá em cima, envolve memória afetiva. Criei, então, a minha própria tradição. Mas como estamos literalmente no dia 25 de dezembro, vocês precisam me dar licença porque minha pipoca já está quase pronta e o filme já está no ponto.
*publicado originalmente em 25 de dezembro de 2019.