Provavelmente uma das últimas gerações a ter um contato mais “íntimo” com a mídia física foi a geração Y, dos nascidos entre os anos 1980 e 1990. Por ter vivido bem no meio da transição do CD para o MP3, do VHS para DVD e deste para o Blu-ray, não me desapeguei das coleções que tinha mas deixei de ser uma nova consumidora assídua, passando acompanhar as novidades por streaming e, raramente, investindo dinheiro em objetos que mexem naquele cantinho nostálgico do peito. A chama dos CDs e Blu-rays há muito tempo não me habita; até os jogos de Playstation passei a comprar apenas em versão digital. Livros, quase todos no Kindle. Para mim, generalizando bem, atualmente quase toda a mídia física tradicional é substituível. Quase todas: jogar Uno ou Banco Imobiliário num videogame jamais vai chegar aos pés da experiência tête-à-tête dos jogos de cartas e de tabuleiro.
Toda a tradição de uma jogatina dessas é espetacular. As comidas, muito bem planejadas, são as mais gostosas. Vale pizza, salgadinho e até uns amendoins (dos japoneses, com sódio para um ano inteiro). As bebidas precisam ser geladíssimas e supergasosas (mais refrigerante ou cerveja sim, por favor). A soma de comida gordurosa e líquidos pegajosos pedem também um paninho e guardanapos de acompanhamento. E nada de jogar no sofá! Todo mundo sabe que precisa se aconchegar como um campeão de xadrez profissional, com o tabuleiro ou as cartas na melhor mesa da casa ou naquela centrinho que dá conta do recado.
Independente do jogo escolhido, todos vamos nos deparar com pelos menos três personalidades dos jogadores casuais: 1) a piadista, 2) a concentrada, 3) a competitiva, 4) a esportiva e 5) a sortuda. Às vezes, nós, inclusive, assumimos várias dessas ao mesmo tempo ou incorporamos um alter ego completamente diferente do nosso no cotidiano. Existem também, dentro dessas categorias, os jogadores que querem ver o circo pegar fogo, ou seja, os que tocam o terror em toda a partida e possuem tendências kamikaze; ou ainda os individualistas, que ficam quietinhos elaborando estratégias na surdina; e os assassinos de aluguel, que sempre vão querer derrotar uma pessoa específica do jogo. Esses últimos selecionam bem o alvo, muito provavelmente a pessoa mais próxima do seu convívio, como companheiros e companheiras.
É essa dinâmica e diversão desses jogos presenciais que os torna tão especiais. E não estou falando aqui apenas de clássicos que marcaram gerações, como Banco Imobiliário, War e Detetive. Empresas do mundo inteiro elaboram diariamente jogos que fisgam públicos das mais distintas faixas etárias. Uma ótima tradutora e revendedora desses jogos aqui no Brasil é a Galápagos. No portal e nas redes sociais da empresa dá para ficar por dentro das novidades e, claro, comprar uns também.
Da nova geração, indico três jogos de cartas, cada um completamente diferente do outro: Black Stories, de investigação, Munchkin, de estratégia e RPG, e Cards Against Humanity, um bem politicamente incorreto para jogar com aqueles amigos que não tem(os) filtro. Tem um carteado em casa? Um conjunto de dominó? Alguns jogos de tabuleiro? Tira do armário e junta a família. Mora só? Ah, está liberado então fazer uma videochamada para jogar a distância.
Trancados em casa, este é o momento para nos desconectarmos dos eletrônicos para nos conectarmos com quem dividimos nosso dia a dia. Estreitar nossas relações interpessoais, mais do que nunca, é indispensável. Aliás, não precisa nem ter um tabuleiro ou carteado para se divertir assim em casa: quando foi a última vez que você brincou de mímica?