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#199 Jornalismo e a justiça social

publicado: 16/11/2023 12h19, última modificação: 16/11/2023 12h21
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‘Podcast’ acompanha o caso de assassinato ocorrido há mais de 30 anos no Paraná - Imagem: Reprodução

tags: Projeto Humanos , Ivan Mizanzuk ,

por Gi Ismael*

Há pouco menos de um mês, estreou nas plataformas de streaming a nova temporada do podcast Projeto Humanos, intitulada O Caso Leandro Bossi. Os novos episódios, lançados toda terça-feira, acompanham o caso real de um assassinato ocorrido há mais de 30 anos no Paraná, poucos meses antes da notória morte do menino Evandro ter acontecido na mesma cidade de Guaratuba. A temporada é lançada em meio a diversas atualizações tanto do caso Evandro, quanto do caso Leandro Bossi, que vieram à tona graças aos achados do jornalista Ivan Mizanzuk (criador, roteirista e narrador do Projeto Humanos) ao longo de quase uma década de pesquisa e veiculação.

Para quem está por fora, vou explicar: era o ano de 1992 quando uma criança chamada Evandro Ramos Caetano foi encontrada morta na cidade de Guaratuba, município litorâneo do Paraná. Além da crueldade de terem tirado a vida de uma criança, o que chamou a atenção no caso foi o estado em que estava o corpo do menino, violentado e mutilado. Muito começou a ser especulado na época e tanto a população quanto a mídia local e nacional passaram a acreditar e difundir a teoria de que o crime teria acontecido num ritual satanista, de “magia negra”. Houve histeria coletiva, prisões, interrogatórios e tribunais, e tudo isso resultou na prisão de sete pessoas que, segundo a justiça, teriam sido as responsáveis pela morte do menino.

Mas o caso nunca pareceu tão simples para Ivan Mizanzuk, nascido no Paraná e que cresceu nos anos 1980 e 1990 em meio ao medo que rondava o estado. Por conta própria, ele decidiu investigar a fundo tim-tim por tim-tim do caso a fim de entender as falhas processuais, o motivo das prisões, linhas do tempo e todas as inconsistências que haviam no processo. Eis que dentre diversas descobertas, Ivan chegou até fitas cassete gravadas no momento em que os acusados confessavam o crime e essas fitas provaram que eles, como insistiram em suas defesas, haviam sido torturados para assumir a autoria do assassinato que não cometeram nem tinham relação alguma.

Esse foi um divisor de águas no caso, especialmente em 2021, quando a versão televisiva do podcast chegou à Globoplay. Resumindo o que houve desde então, no último dia 9 de novembro, a justiça do Paraná anulou as acusações após a comprovação de que os acusados foram torturados por policiais do Grupo Águia da Polícia Militar. Essa reviravolta deixou em cheque outro caso muito similar que aconteceu meses antes do crime: o desaparecimento do menino Leandro Bossi.

Esse caso é citado diversas vezes por Mizanzuk na temporada do Caso Evandro porque, entre muitas semelhanças entre as duas crianças (aparência física, idade, região onde moravam), uma diferença era substancial: o corpo de Leandro, teoricamente, nunca havia sido encontrado (algo que o narrador questionou a veracidade diversas vezes).

Toda a popularidade dos casos fez com que a Secretaria de Segurança Pública do Paraná realizasse 30 anos depois um novo exame de DNA em uma ossada encontrada nos anos 1990 com as roupas de Leandro e que foi descartada a hipótese de ser o garoto, pois os testes apontavam ser uma menina. Com novas tecnologias em ação, o teste revelou 99,99% de compatibilidade com o DNA de Bossi. Confirmada a morte dos dois garotos e a absorção dos acusados erroneamente pelo crime, fica uma grande lacuna quando ainda não se tem a resposta de quem cometeu os crimes horrendos.

Há alguns meses, escrevi aqui sobre a quinta temporada do podcast (Altamira) e como a produção é refinada, embasada e crível, sendo uma aula de processos penais, investigação jornalística, narrativa, roteirização e por aí vai. Porém, mais do que isso, Projeto Humanos é uma prova de como o jornalismo, aliado à mídias de larga escala, tem força e ferramentas para buscar a justiça, dando espaço ao contraditório e expondo falhas enquanto busca por respostas.

*Coluna publicada originalmente na edição impressa de 15 de novembro de 2023.