O isolamento social (os 15 dias que viraram seis meses) tem despertado alguns extremos em mim. Picos de produtividade que duram semanas são seguidos de dias onde fico de parabéns pela completa inutilidade. A tempestade vem forte e a calmaria é “zen” até demais. Como de praxe, o meu estado de espírito vem acompanhado de séries e filmes sob medida: às vezes um “true crime” bem pesado, outras vezes mais uma história de amor. É sobre elas que quero falar hoje.
Eu tinha provavelmente oito anos de idade quando me apaixonei pela primeira vez. Aquela paixão que nos é ensinada, sabe? Não era ainda a avassaladora paixão adolescente que tira o sono e dá frio na barriga. Era um sentimento esquisitinho que eu sentia por um garoto da escola chamado Andrei. Nessa minha paixonite platônica, não haviam metas de relacionamento, nem um simples segurar de mãos. Ele só existia ali como figura de admiração. Isso até que minha irmã leu no meu diário a passagem sobre o paquerinha e passou a cantarolar, dia e noite, “Andrei, Andrei, Andrei até encontrar…” parodiando a música de Chitãozinho & Xororó. Aí a paixão foi-se. Assim, do nada. Tempos fáceis.
Se eu fosse traçar uma linha do tempo começando em Andrei e vindo até onde me encontro hoje, meu ponto final "e viveram felizes para sempre", ela seria um pouco trêmula e torta além de relativamente bem curta. Vivi minhas poucas e nem sempre boas histórias de amor enquanto colecionava causos de pessoas ao meu redor. Gostava de me imaginar como onipresente em cada um deles, observando de cima o desenrolar positivo das coisas e tomando partido ferrenho quando minhas amigas eram sacaneadas. Poucas histórias, até as bem-sucedidas, são como nos filmes. São os encontros desengonçados da vida real que nos deixam com os pés no chão -- é justamente quando nós, os mais românticos, ouvimos aquelas poucas e boas histórias de roteiro de filme que as asinhas de Hermes crescem em nossos pés em caso de batidas erradas no peito (foi na minha própria história-de-amor-roteiro-de-filme que todas as minhas esperanças foram renovadas).
Se você é como eu e gosta do equilíbrio entre os contos de fada e os contos cotidianos, indico fortemente a série “Modern Love”, uma produção original Amazon Prime Video que estreou em outubro de 2019. Astros como Anne Hathaway, Dev Patel, Tina Fey e Catherine Keener estão no elenco da série de oito episódios que fazem parte da primeira temporada, escrita e dirigida por John Carney (diretor de ‘Once - Apenas Uma Vez’ e ‘Sing Street’). A série é baseada na coluna de mesmo nome publicada semanalmente, desde 2004, no jornal The New York Times. Não à toa, esta é uma das colunas mais populares do jornal: mais de 99% dos textos submetidos são rejeitados e é mais fácil você entrar 20 vezes na Universidade de Harvard do que ter um texto publicado no espaço. Crème de la crème.
Amor próprio, amor romântico, amor fraternal e amor impossível. Tem de (quase) tudo ao longo dos capítulos (devo registrar um carinho especial pelos episódios com Hathaway e Patel, que devo ter assistido pelo menos três vezes cada). Algumas dessas melhores histórias foram levadas para o streaming e o resultado é apaixonante. Para a nossa sorte, uma segunda temporada já foi confirmada pela plataforma.
Mas se você está órfão de Modern Love há alguns meses, uma outra dica de ouro: existe também a coluna em versão podcast, que vem publicando desde 2016 episódios onde textos favoritos do público são interpretados por artistas do meio hollywoodiano, como Jake Gyllenhaal, Sarah Paulson, Colin Farrell e Saoirse Ronan. Infelizmente não existe tradução dos episódios para o português.
Os contos reais de Modern Love, sejam eles apresentados ao público em forma de texto, série televisiva ou podcast, são provas de que não existe manual de instruções ou fórmulas exatas para relacionamentos. Com fabulosas narrativas, considero Modern Love, sim, uma fórmula certeira de como se contar uma boa história de amor, independente de um final feliz.
*coluna publicada originalmente na edição impressa de 02 de setembro de 2020.