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#188 Mantendo a essência e renovando ares, High Fidelity é uma maravilhosa adaptação para TV

publicado: 16/08/2023 00h00, última modificação: 17/08/2023 12h15
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Zöe Kravitz (centro), Da’Vine Joy Randolph (direita) e David H. Holmes (esquerda) trazem mais dimensões ao personagens de Rob, Cherise e Simon, respectivamente. - Foto: Hulu/Divulgação

por Gi Ismael*

É quase de lei: se você diz gostar de música boa, em grande parte rock e pop clássicos e “alternativos” estadunidenses e britânicos, e gosta de filmes, livros e séries sobre o tema, você deve ter uma grande afeição por Alta Fidelidade, obra de Nick Hornby de 1995 adaptada para o cinema em 2000 com o filme homônimo protagonizado por John Cusack. Duas décadas depois, o título chegou com um “reboot” em formato de série: High Fidelity (título original em inglês), protagonizada pela maravilhosa Zöe Kravitz e escrita por Sarah Kucserka e Veronica West.

Alta Fidelidade, obra de Nick Hornby de 1995 adaptada para o cinema em 2000 com filme homônimo, reaparece duas décadas depois em formato de série

A produção original do streaming Hulu traz dez episódios de 30 minutos cada que expandem o universo de Rob, aqui não mais um homem branco dono de uma loja de discos, mas sim uma mulher negra em uma certeira escolha de subverter o gênero do protagonista – e esse é um dos motivos pelo qual a Hulu errou feio quando decidiu não continuar a série para uma segunda temporada.

Quando muda Rob Gordon para Robyn Brooks, High Fidelity descentraliza a paixão e os conhecimentos da música pop de mãos masculinas (principalmente brancas) e traz mais profundidade e diversidade nas histórias de seus personagens. Já que agora a protagonista vive nos anos 2020 e é uma mulher bissexual, temos adaptações das histórias das ex-namoradas e reencenações de cenas clássicas. Outra subversão que funcionou muito bem foi tornar o personagem Barry, interpretado iconicamente por Jack Black, em Cherise, vivida por Da’Vine Joy Randolph. Ela é uma mulher apaixonada por música, super cativante e naturalmente engraçada com toda sua marra e que sonha em ter sua própria banda. Já Simon (David H. Holmes), que continua um cara reservado, porém bem mais natural, é desta vez um homem que namorava com Robyn, mas que se descobriu gay. A intimidade e química entre os três são de encher os olhos.

Lembra no filme de Rob imaginando diferentes ataques a Ian (o atual de sua ex) dentro da loja de discos? A série celebra esse clássico de uma forma um pouco diferente: vemos dessa vez Rob ensaiando vários ataques a Lily (agora atual do seu ex) na calçada do bar. High Fidelity é um multiverso das referências que nos fazem querer voltar para o filme e pescar cada citação cruzada: além das clássicas dicas musicais por toda a direção de arte e som (pôsteres, discos, camisetas, trilha sonora…), existem vários “easter-eggs” do filme dirigido por Stephen Frears e também do livro de Hornby. O maior deles é Zöe Kravitz ser a protagonista, já que sua mãe, Lisa Bonet, estrela no longa metragem como Marie De Salle, a sexy e descolada cantora e musicista que é um dos principais affairs de Rob.

Musicalmente falando, a produção mais recente não poderia deixar de citar clássicos da música pop anglossaxônica, mas agora explora outros oceanos, chegando até a citar Os Mutantes e Caetano Veloso em um episódio. Projetos do século 21 enchem a “tracklist” que, se uma vez veio no CD da trilha sonora original, hoje tem um playlist oficial no Spotify (e faça o favor de não cometer o crime de ouvir no modo aleatório).

Assistindo com os olhos de hoje, especialmente levando em conta todas as pautas necessárias sobre representatividade nas narrativas, vemos que o filme tem seus clichês problemáticos e foi feito para criar maior identificação do público masculino. O que ‘High Fidelity’ agora traz é uma expansão que aborda com sutileza temas como a misoginia, o racismo e o fato de que qualquer pessoa pode ser babaca. Sim, Rob continua sendo uma pessoa egoísta e autocentrada – mas o grande porém é como a série consegue usar essa carta para trazer um crescimento sincero da personagem em sua jornada de vacilos e autopercepção. A Rob arrogante e convencida, excessivamente descolada do primeiro episódio (que Zöe Kravitz faz sem esforço algum, enquanto John Cusack, bem… Não é Zöe Kravitz), começa a desabrochar de vez em uma outra mulher ao final da temporada – e isso não seria possível se não fosse sua rede de apoio.

A série é muito gostosa de maratonar e me trouxe o mesmo sentimento que tive ao assistir o filme pela primeira vez: fiquei empolgada quando pescava uma referência, vidrada nas discussões sobre cultura pop, atenta aos “top 5” e principalmente investida na trama. Uma forte impressão que tive com a produção mais atual é que a experiência, dessa vez, me conectou mais à protagonista e aos seus amigos e me fez ter mais empatia e carinho por cada um. Hulu, jamais vou te perdoar por ter cancelado a série antes de Cherise ter um episódio só dela.

Como falei lá em cima, a série foi cancelada no mesmo ano de sua estreia. Ainda assim, vale muito a pena assistir uma vez que ela engloba todo o ciclo do filme e do livro. Dá pena como ela tinha tanto potencial para andar com suas próprias pernas em mais uma temporada. Provavelmente isso não vai acontecer. Certamente vou chorar minhas pitangas ouvindo uma playlist de top 5 melhores canções para uma dor de cotovelo de quem teve uma série preferida cancelada. 

*Coluna expandida da versão originalmente publicada na edição impressa de 16 de agosto de 2023.