(coluna publicada originalmente em 15 de maio de 2019)
Se esse texto estivesse sendo escrito nos anos 90, começaria assim: “um belo dia em casa, lá estava eu, zapeando pelos canais da televisão”... Mas a gente pode falar “zapeando” quando está passando pelo Instagram Stories das pessoas? Bem, era isso que eu estava fazendo.
Com o controle na mão -- digo, com o celular na mão, acompanhava o dia de algumas pessoas, várias delas que nem conheço pessoalmente. Um vídeo em particular me prendeu a atenção durante aqueles quinze segundos: era uma música. Batida lo-fi, voz aveludada, uma melodia que sentia como um abraço. O vídeo já informava o artista e a faixa: ‘Monty Datta - Sing to You’.
Voltei algumas vezes para ouvir e sabia que só aqueles segundos não iam me satisfazer. Agradeci imensamente a Gabi Muniz por ter me apresentado a uma canção tão gostosa e corri para o Spotify. De cara, vi que o projeto tem quase 450 mil ouvintes mensais, apesar de só ter 15 singles lançados entre 2018 e 2019. Nas informações do artista, “apenas um produtor de quarto. Nova Jérsei/Bangladesh”. As contas não pareciam bater.
As parcerias de Monty Datta se limitam a DJs e cantores com bem menos ouvintes do que ele, alguns que nem chegam a mil plays na plataforma de streaming. Decidi buscar o que mais conseguia em outras duas plataformas populares de música: YouTube e SoundCloud. E de lá que surge a fama low-profile do cara (supondo que seja um homem, já que não encontrei informação em canto nenhum sobre a pessoa e por ter encontrado só homens indianos com esse nome) vem.
Monty Datta faz parte de uma geração de artistas e produtores musicais que faz músicas com uma atmosfera de ambiente, tipo músicas para ouvir enquanto estuda ou num dia de chuva, com oscilações entre o deprê e o upbeat. As músicas dele, e de centenas de outros compositores “de quarto”, tocam durante 24 horas por dia em rádios online, onde a proposta é também oferecer mixtapes com faixas que tenham a mesma cara (ou sentimento), que criam esse clima gostoso.
Dois canais são bem populares no YouTube, o ‘nourish.’ e o ‘Chilled Cow’ (coloquei um QR Code aqui do lado para você ouvir). São milhões de inscritos e mais milhares de pessoas distribuídas por essas playlists ininterruptas. Aqui em João Pessoa, a galera do estúdio BBS está em fase de testes para começar sua própria rádio, mas com beats criados por ela e por uma rede de beatmakers do Brasil e do mundo (muita gente que participou de um desafio no Instagram, o #30dias30beats, tema do primeiro Gi com Tônica em vídeo).
Um texto publicado pela Vice americana e traduzido pelo blog Noisey da Vice brasileira investigou as origens dessas rádios, analisou monetariamente, entrevistou artistas e ouvintes, quis saber o porquê de toda essa popularidade. Uma das teorias era de que a estética dos vídeos -- normalmente cartuns e animes em movimentos suaves --, tem um apelo nostálgico para a geração anos 90 que acompanhava o Adult Swim ou outros programas do Cartoon Network, por exemplo.
Mas a minha humilde teoria é que a popularidade mainstream entre os undergrounds da música chillwave/chillpop acontece porque ela aparece quase como uma necessidade para uma geração embebedada por ritmos acelerados e anestesiada por tantas informações vindas das telas, telinhas e telonas. Essas músicas são pílulas de sossego no meio do dia. Doses de calmaria, uma morfina auditiva.
Dei sorte de começar a ouvir Monty Datta um mês antes dele lançar o primeiro EP, chamado ‘Melodies for Heartbrake’ (ou ‘Melodias para Corações Partidos’, em tradução livre). Esses quinze minutinhos de música me deixaram o dia todo tranquila independente de meu coração estar aqui inteirinho. Experimenta um trago, confia em mim.