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#48 No game ‘Detroit: Become Human’, robôs quebram a matrix

publicado: 14/05/2020 11h55, última modificação: 03/11/2020 11h25
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No século passado, Isaac Asimov já falava sobre robôs que eram imagem e semelhança aos seres humanos em contos como “Eu, Robô” (1950) ou “O Sol Desvelado” (1957). O conceito também foi explorado por Philip K. Dick quando escreveu, em 1968, “Androides Sonham Com Carneiros Elétricos?”, romance que deu origem ao clássico “Blade Runner - O Caçador de Androides”. Além de serem máquinas feitas à imagem e semelhança do ser humano, outro ponto liga essas e muitas outras histórias da ficção científica futuristas: chega um ponto em que a tecnologia é tão avançada que os seres inanimados passam a desenvolver consciência e livre-arbítrio; tornam-se tão humanos quanto nós. Esse é também o mote do game “Detroit: Become Human”, obra-prima disponível para Playstation 4 e Microsoft Windows.

No ano de 2038, na cidade de Detroit, Michigan (EUA), a sociedade passa por um pesado desemprego estrutural causado pela troca do trabalho humano pelo automatizado feito por androides. A população divide-se entre pessoas que consomem o produto (cada dia mais barato) no cotidiano e as que querem banir a fabricação e vendas dos robôs. Nesse tempo, uma série de crimes cometidos pelos androides contra seus donos começa a surgir na cidade. Para um povo sedento por máquinas obedientes e eficientes, isto passa a ser a gota d’água. A polícia monta uma força-tarefa para investigar a motivação ou a falha no sistema que levou os crimes a acontecerem. 

O jogador comanda três personagens cujas histórias se cruzam na narrativa: Connor, um detetive androide programado para trabalhar com a polícia e desvendar os crimes; Kara, uma máquina doméstica que trabalha na casa de um dono viciado em drogas e abusivo com a filha pequena; e Marcus, um robô revolucionário prestes a comandar um motim. Essas são definições superficiais de cada personagem, isso porque o jogador é quem constrói o próprio jogo. Explico: “Detroit: Become Human” foi desenvolvido pela francesa Quantic Games, a mesma responsável por títulos como “Heavy Rain” e “Beyond: Two Souls”. Todos esses jogos possuem o recurso de múltiplos finais que são entregues ao jogador de acordo com as escolhas feitas ao longo do game. Isso significa que qualquer escolha feita pode alterar completamente o caminhar da história. Os números nunca foram divulgados, mas existem, pelo menos, 15 finais diferentes para o game.

O roteiro, que demorou dois anos anos para ser desenvolvido, permite até que você escolha tornar-se divergente ou não (divergentes são os androides que conseguem quebrar as suas funções programadas e passam a ter livre-arbítrio e emoções). Ao longo do jogo, esses divergentes falam em “RA9”, uma espécie de deus para eles. Qualquer que seja o final, aparentemente nunca é explícito o que ou quem era o RA9, mas gosto da teoria de que nós, os jogadores, somos essa divindade. Nós escrevemos e escolhemos o destino de cada personagem. “DBH” torna-se assustadoramente real em diversas partes, inclusive quando nós nos tornamos parte da história.

Repleto de ramificações e difíceis escolhas éticas/morais, o game faz você decidir até mesmo qual abordagem tomar, como liderar um protesto pacífico ou uma violenta anarquia. A mecânica do jogo não é das melhores, mas isso fica para segundo plano quando a direção de arte e a qualidade dos gráficos são impecáveis, além, claro, da trama intrigante e personagens cativantes. 

Dito tudo isso, preciso confessar uma coisa: a verdade é que eu não joguei 100% do jogo com minhas escolhas próprias. Chegou um momento em que eu precisava tomar importantes decisões de vida ou morte e eu não encarei. Parei, respirei. Voltei o game. Tentei de novo. Vou ver algum mini-spoiler na Internet. Trapaça? Pode ser. Mas aos meus olhos, a vida real já é dura demais com nossas escolhas e, se eu puder ter o controle de ao menos essas, o final feliz torna-se inevitável. 

*publicado originalmente na edição impressa de 13 de maio de 2020.