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#22 O começo do fim de Bojack Horseman

publicado: 06/11/2019 09h12, última modificação: 03/11/2020 11h26
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- Foto: Divulgação/Netflix

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Ando meio cabisbaixa esses dias. Arrasada mesmo. Desolada, vivendo um drama digno de privilegiados do primeiro mundo: uma das minhas séries preferidas está acabando (vocês sabem que esse sofrimento só fica atrás do “não tem no Spotify”). Eu queria colocar um emoji chorando agora, mas acho que não seria muito jornalístico da minha parte.

É, estou falando de ‘Bojack Horseman’, série de animação da Netflix que estreou em 2014 e está chegando ao fim quase seis anos depois. Oito episódios foram lançados agora em outubro e mais oito chegam na plataforma de streaming em janeiro de 2020. Fui apreciando cada episódio devagarzinho, mas não aguentei mais do que uma semana para terminar a primeira parte. O resultado é que ‘Bojack Horseman’, como já falo há um tempo, é o ‘Breaking Bad’ das animações — e não é porquê Aaron Paul (Jesse Pinkman) dubla meu personagem preferido no desenho. Quem assistiu a série protagonizada por Bryan Cranston entende que cito a produção aqui como sinônimo de “impecável”.

A animação foi criada por Raphael Bob-Waksberg e produzida por Lisa Hanawalt (criadora de ‘Tuca & Bertie’, também da Netflix). A trama acompanha o cavalo Bojack Horseman (Will Arnett), um ator que teve seu próprio sitcom nos anos 1990 (Horsin’ Around) e que, nos dias de hoje, vive numa mansão como uma estrela em digressão acompanhada de decisões erradas, vícios e pura canalhice. O cara é um babaca alcóolatra e essa história a gente já viu muito por aí. Mas ao invés de colocar o protagonista e seu péssimo comportamento num pedestal (como o “mito” Charlie Sheen em ‘Two And A Half Man’), Bojack acerta todos os pontos quando anda por uma trama filosófica e existencial, dosando isso com uma comédia ácida e inteligente (e outras vezes bem boba). A série não tenta justificar atitudes ou aceitá-las e é bem realista quando mostra a vida como ela é: complexa, onde nem sempre as coisas são preto no branco.

Muitos de vocês já devem ter sido fisgados por alguma série que perdeu o fôlego - e o sentido - após algumas temporadas e isso tornou a experiência um tanto frustrante (‘Lost’, ‘Dexter’, ‘Game of Thrones’, mais alguma?). Não é o que acontece em BJH, inclusive é difícil ver alguma ponta solta até numa análise da série como um todo ou em episódios individuais. Sempre me impressiona, por exemplo, como a equipe conseguiu manter um caminho sensato e intrigante dos personagens coadjuvantes e, pensando agora numa descrição bem rasa de cada um deles, admiro mais a série por entender que eles são bem mais que isso. Diane Nguyen (Alison Brie) é uma jovem escritora feminista contratada para escrever a biografia de Horseman; já Mr. Peanutbutter (Paul F. Tompkins) é um labrador que teve uma série de sucesso na mesma época de Horsin’ Around; também temos a Princess Carolyn (Amy Sedaris), uma felina multitarefas que é agente do cavalo e sua ex-namorada; e, por fim, Todd Chavez (Aaron Paul), um humano que se mete em aventuras completamente aleatórias enquanto mora há alguns anos no sofá do protagonista. 

av3fmnj2p0n11.pngJá deu para entender que a série traz conflitos filosóficas e análises antropológicas à mesa. Mas a série só consegue ser bem digerida porque conta com um ingrediente mestre: o entretenimento. ‘Bojack Horseman’ é sagaz, inteligente, divertido. A série tem alívios cômicos, pequenas piadas e referências aos montes que aparecem escondidas ou em primeiro plano. Tantos são os ‘easter eggs’ que um perfil no Instagram dedicado a comentar episódios e fisgar as sacadas do programa tem quase 60 mil seguidores (@bojackhiddenjokes). Já até teve piada em um episódio da série que muita gente acredita ter sido uma indireta ao perfil: uma camiseta pendurada numa loja tinha impressa a frase “pare de pausar e só assiste o programa”.

E porque chegar no fim justo agora, com tanto da história principal se desenrolando? Segundo Bob-Waksberg, a decisão do término da série veio da própria plataforma e, dependendo dele, ainda haveria material para sustentar o programa por alguns anos. “Francamente, estou surpreso que conseguimos chegar tão longe, então não tenho do que reclamar. Se estivéssemos em qualquer outra rede ou em um período diferente, não acho que teríamos conseguido nem uma segunda temporada”, disse em entrevista ao Indiewire. Ele afirmou também que o final “encurtado” foi o mesmo que já haviam planejado, então as coisas não vão ser de supetão. 

Bem, eu também não reclamo, apesar da tristeza. O meu preciosismo por roteiros fortes e amarrados me fez ter um medo danado de que a trama ficasse fraca com o tempo. Foi bom enquanto durou, Bojack Horseman. E já que o desenho surgiu só um ano depois que acabou ‘Breaking Bad’, é pedir demais que uma outra série impecável apareça em 2021? 

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*texto publicado originalmente na edição impressa de 6 de novembro de 2019