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OPINIÃO

#165 O Grammy não merece essa bola toda

publicado: 08/02/2023 00h00, última modificação: 23/02/2023 10h25
Viola Davis - Reprodução.jpeg

Viola Davis está no seleto EGOT: ganhou no Grammy, Emmy, Oscar e Tony - Foto: Foto: Reprodução

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por Gi Ismael*

É engraçado como premiações tipo o Grammy, a maior da indústria fonográfica, são válidas quando um artista que a gente gosta ganha. Num estalo de dedos, ele é totalmente invalidado quando ocorre uma “injustiça” e outra pessoa leva o reconhecimento. Todo ano, há anos, é isso. Então, vamos falar um pouco da 65ª edição do Grammy Awards, que aconteceu no último domingo (dia 5), em Los Angeles, nos Estados Unidos.

Já faz um bom tempo que não assisto o espetáculo, procurando acompanhar a repercussão no dia seguinte pela internet. Vi as listas e meus olhos foram direto atrás do nome dela: Beyoncé. A mulher que se tornou adjetivo de grandiosidade no Brasil, uma metonímia das melhores (“tá se achando a Beyoncé!”), se aventurou por mais um disco que quebra expectativas e com fortes tendências hipnóticas, resgatando a dance music e homenageando a cultura queer. Ela estava na lista de vencedores em três categorias específicas aos gêneros R&B e dance/eletrônica. Nada de levar álbum do ano, a maior expectativa para o Renaissance (já que das 35 estatuetas que agora contabiliza, nenhuma é referente a essa categoria, mesmo tendo sido nomeada cinco vezes). O disco, diga-se de passagem, estrelou como o melhor do ano em dezenas de sites especializados. Defendo horrores mesmo.

Em 2020, Billie Eilish varreu a premiação, sendo a segunda pessoa da história a conquistar quatro das mais prestigiadas categorias da disputa: música do ano, gravação do ano, álbum do ano e artista revelação. Naquela edição, quem decidia os resultados da grande noite? São cerca de 12 mil pessoas votantes da Academia de Gravação que analisam e elencam cinco candidatos, dentre esses milhares, em cada categoria. A peneira vai ficando mais fina até que 105 gramofones, dedicados a 28 gêneros musicais distintos (inclusive polca), eram distribuídos na noite.

Em 2023, o cenário não foi diferente. Existem três tipos de membros (votante, profissional e do Grammy) e todos fazem parte da indústria em diferentes cargos, gêneros musicais (22 deles) e funções (são cerca de 13 diferentes). São pessoas de diferentes contextos, idades, gostos e até estudos. Então você pega alguém da geração-Z que consome TikTok e vota em Harry Styles porque sabe que a música tocou exaustivamente na plataforma, e vai até um homem de 70 anos que acha que nenhum disco lançado em 2022 foi melhor do que o de Abba. E essas pessoas votam, simples e democraticamente. A premiação acaba indo muito menos pelo lado técnico, e mais por um viés pessoal, baseada muitas vezes no quanto as pessoas acham que aquilo as tocou ou impactou o público. Teoricamente neste ano, de 2.700 novos membros da Academia, 56% são de “minorias”, apostando na equidade de gênero e na maior representatividade de grupos de diferentes etnias. O que durante anos pesou na disputa é que os membros da academia, hoje um pouco, quase nada, mais diversos, por décadas foram os mesmos homens brancos que envelheceram junto com o Grammy. Com essência racista, subestimaram centenas de promissores nomes da indústria, segregando os artistas não branco em categorias com gêneros musicais específicas tipo rap e R&B. E vai demorar um tanto até que esse corpo represente, de fato, a diversa sociedade estadunidense em sua maioria.

Que bom que Beyoncé tenha se tornado a artista mais premiada da história na noite de domingo; também foi importante a atriz Viola Davis ter sido reconhecida como EGOT (ou seja, ela é uma das 18 pessoas do mundo a ter levado estatuetas no Emmy, Grammy, Oscar e Tony).Mas uma parte bem grande de mim simplesmente não consegue dar cabimento à premiação para além do que escrevi hoje. No geral, tanto faz. É quando o ponto raramente sai da curva (quando, por exemplo, não temos “pessoas de cor” passando despercebidas por indicações que claramente mereciam receber e, muitas vezes, ganhar) que o negócio fica interessante e até importante por sua representatividade. E aí, mesmo assim, depois volta a ser só “Ok” mesmo. Porque foi essa a fama que o Grammy forjou. E vida que segue, com ou sem Anitta vencendo.

*Coluna publicada originalmente na edição impressa de 8 de fevereiro de 2023.