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#12 O incrível 'Capitão Fantástico'

publicado: 17/07/2019 09h23, última modificação: 03/11/2020 11h26
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- Foto: - Divulgação

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Julho foi mês de estreias no Netflix, entre elas o filme ‘Capitão Fantástico’ (2016), vencedor do prêmio de Melhor Direção em Cannes. O longa dirigido e escrito por Matt Ross apresenta uma família nascida no berço do capitalismo norte-americano e que decide romper com isto vivendo um cotidiano baseado em ensinamentos filosóficos e experiências anticapitalistas. Eu não sabia de nada disso ao assistir o filme e também não acho que esteja estragando a surpresa para você. Ah, e por mais que eu tenha tentado, foi inevitável soltar spoilers ao longo deste texto.

No elenco estão artistas como Frank Langella, Kathryn Hahn, Steve Zahn e Viggo Mortensen, indicado ao Oscar de Melhor Ator com seu personagem Ben, o próprio Capitão Fantástico. Dividindo a tela com Viggo, estão ainda as seis crianças e adolescentes que interpretam com maestria os filhos dele e da esposa na trama. 

E que trama incrível. Como não quero contar muito da história, vou me ater a como ela é contada. Há um tempo, venho assistindo a filmes sem ler muito a respeito ou sem ver trailers, como comentei no começo desse texto, então fui conhecendo cada detalhe do cotidiano da família fictícia à medida em que o longa me contava os pequenos detalhes, jogados em dicas pontuais através de frases ou objetos. O roteiro não é mastigado como costumam fazer diretores como Christopher Nolan, que às vezes subentende que a audiência não é tão inteligente assim. 

Ficamos em conflito, permeando entre percepções realistas e oníricas e tomando partidos diferentes ao longo de 120 minutos. O filme começa e o nosso primeiro contato é com a selvageria e vivência ritualística. Serão eles alienados sobrevivencialistas? Qual o objetivo dessa família, o contexto? Por que existem crianças e adolescentes treinando luta e falando palavrões sem nenhum tipo de recriminação do pai? As dicas começam a aparecer ao entrarmos na casinha da árvore um dos filhos mais novos, que está construindo um altar reverenciando o revolucionário comunista cambojano Pol Pot. Logo em seguida, ao redor de uma fogueira, as crianças lêem Jared Diamond, Brian Greene, Dostoiévski, George Eliot, todos são temas de uma prova. 

Já vimos, compreendemos e nos acostumamos com boa parte da vida da família no primeiro ato do filme, então no momento em que há encontro com uma família não muito distante, do “mundo real”, no segundo ato, absorvemos a cultura capitalista julgando cada pedacinho da moradia e seus exageros consumistas, assim como a falta de diálogo e a alienação aplicada por um sistema que deveria educar. Enquanto Ben é recriminado por seus cunhados ao detalhar uma morte para dois adolescentes, esses mesmos familiares são passivos quando se trata de um violento game de luta. 

Como toda trama, precisamos de um conflito. Mas ele não é por total proveniente do exterior, da sociedade “padrão”, como esperaríamos. Dentro do próprio modo de vida um dos filhos subverte com frequência a subversão de sua família. Rellian dita o ritmo da música, quer comemorar o Natal, quer comer junk food e usar camisa polo (as outras crianças, em proporção menor, não querem uma vida tão radical assim).

Quase tudo é pragmático na vida da família e isto é tido como um artifício para uma vida mais realista, mesmo que isso signifique sacrificar grande parte das interações sociais. Doenças mentais são tratadas como má funcionamento das funções cerebrais, sexo e morte são abordados com sinceridade e sem arrodeios ou alegorias; esses assuntos são conversados normalmente com crianças de quatro ou cinco anos de idade.

Enquanto muito prática e visceral, a família não é totalmente selvagem: “coloquem roupas antes de comer”, pede o pai em frente à carniça de um veado abatido pelo filho, que devorou o coração ainda fresco da besta como parte de um ritual. O pragmatismo é deixado de lado na hora de discutir uma obra literária, por exemplo (a palavra “interessante” é proibida, assim como dar a trama de um livro ao invés de uma análise).

‘Capitão Fantástico’ é um filme apaixonante que te dá a garantia de sair com o coração aquecido. Que fala sobre sonhos, determinação, empecilhos, luto e, principalmente, adaptações, tudo isso contado num dos melhores e mais belos roteiros da última década. No final das contas, faz parte do amadurecimento entender que nada tão é perfeito assim. Aliás, quase nada -- para encerrar o texto, me arrisco deixando exatamente esta palavra para definir o filme: perfeito.


*publicado originalmente na edição impressa de 17 de julho de 2019