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#170 O que você teria feito no lugar de Joel?

publicado: 15/03/2023 00h00, última modificação: 28/03/2023 10h39
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Pedro Pascal abraça Bella Ramsey no último episódio de ‘The Last of Us’. Foto: HBO/Divulgação.

tags: Gi Ismael , The Last of us

por Gi Ismael*

O que você teria feito no lugar de Joel? Essa pergunta entra oficialmente nas maiores indagações subjetivas das telinhas, ao lado de “Quem matou Laura Palmer?” e “O que tem na mala em Pulp Fiction?”, The Last of Us chegou ao fim da primeira temporada com um difícil paradoxo ético: sacrificar uma filha para salvar a humanidade ou acabar com a provável única chance de cura da humanidade para salvar uma única pessoa, indo contra a vontade da própria?

Esse é o capítulo que nos faz entender porque Ellie é especial – tanto por sua imunidade ao fungo quanto pelo sacrifício constante que pessoas ao seu redor fazem em detrimento dela. Os minutos iniciais mostram Anna, uma jovem grávida, já em trabalho de parto, que foge de um infectado em um dos momentos mais agonizantes da série. O grunhido dela me fez marejar os olhos de prontidão: a atriz que vive Anna, Ashley Johnson, é quem dubla Ellie na série de games. E diferente de Troy Baker, o ator que vive Joel nos games e que aparece no 8º episódio da série como outro personagem, a voz dela tem a mesma impostação e intensidade que ouvimos no jogo.

Para conectar Ashley Johnson ainda mais à personagem, a escalaram para viver Anna, que como descobrimos no início do episódio, dá à luz a Ellie em meio a um ataque frenético. Mordida ainda com o cordão umbilical ligado, ela o corta e a separa da filha sabendo que aquele corte, muitas vezes usado como analogia do amadurecimento e desvinculação maternal, seria um adeus definitivo e precoce entre mãe e filha.

Não vou entrar em muitos detalhes do episódio porque se você está lendo o texto, é porque assistiu e está com a memória fresquinha do que acontece. A chegada no hospital vem com a carga dramática de Marlene comunicando a Joel que será necessário o sacrifício de Ellie para que seja desenvolvida a vacina que, talvez, salvasse a humanidade. Os eventos que seguem são chocantes e se no jogo temos a ação frenética, a longa e atordoante fuga e do massacre por nossas próprias mãos, a série encurtou o processo para menos de cinco minutos, deixando uma versão mais lânguida da música tema tomando conta do som ambiente, com gritos e tiros abafados. Joel está completamente cego, catatônico, despido de humanidade, e é assim que essas escolhas de direção de cena e montagem nos fazem sentir.

O que leva alguém a agir de forma brutal? É moral que uma pessoa acabe com dezenas de vidas – possivelmente milhares – usando o amor profundo como desculpa? Seria esse sentimento mais sobre salvar a outra pessoa pelas vontades ou salvar alguém que lhe faz se sentir bem? Até que ponto o amor é mútuo e a partir de que momento se torna algo egoísta?

O tempo não curou Joel.

Assistir a série me fez ter ainda mais amor tanto pela obra original, quanto pelos videogames em si. A série ampliou e por vezes lapidou um produto já muito belo. Ter quatro ou cinco vezes mais hora de tela em The Last of Us também é uma viagem onde imaginamos muitos cenários que são apresentados de forma breve, em diálogos, cartas, gravadores de voz e folhas de jornais. Temos centenas de intervenções com pequenos diálogos ao longo da gameplay, diálogos que não estão nas cenas de corte que detêm a narrativa. São diálogos sobre o mundo passado, sobre música, sobre futuro e pequenas trocas do cotidiano que nos aproximam.

A série é a melhor adaptação que já vi e, sim, mesmo que seja por vezes uma cópia do que o jogo traz, fico feliz em saber que pessoas que jamais jogariam The Last of Us puderam ter contato com essa história. Já disse por aqui antes e repito: para mim, Bella Ramsey é o grande destaque de toda a série, sendo magnífica a cada episódio. E isso não tira os méritos de todo o elenco: Pedro Pascal deu vida a um Joel com a mesma essência do original, trazendo mais leveza quando isso era importante; Anna Trov (Tess), Lamar Johnson (Henry), Melanie Lynskey (Kathleen), Merle Dandridge (que interpreta Marlene nas duas versões da história) e todos os outros atores que interpretaram personagens secundários fizeram um trabalho espetacular na série. Roteiro, direção, maquiagem, desenho de som, tudo foi da melhor qualidade. Poderíamos ter visto um pouco mais de tensão com infectados na segunda metade da trama? Sim. Mas toda a produção me deixou tão feliz que, sinceramente, todos os meus panos estão aqui para serem passados.

Ainda assim, insisto em dizer: se puder, jogue! Foi segurando o controle por horas e horas que eu pude me envolver muito mais com os personagens, mais do que quando assisti a série (pela qual também me envolvi imensamente). Segurar o controle, mesmo que já exista uma narrativa pré-estabelecida, oferece um grau de imersão bem diferente de ser apenas espectador. Não se esqueça de jogar, se possível, o segundo game e o DLC Left Behind, e ler a história em quadrinhos The Last of Us: Sonhos Americanos.

*Coluna publicada originalmente da edição impressa de 15 de março de 2023.