Há 10 anos, minha família decidiu construir uma casa em Bananeiras, a charmosa e fresquinha cidade do Brejo paraibano. Naquela época, o município era como 99% do interior paraibano: havia basicamente a igreja, um ou dois mercadinhos, alguns botecos e as praças. No máximo, duas pousadas. Hoje, a cidade é outra e respirando gentrificação, expira gourmetização – e nós somos parte do problema.
Indo constantemente para a cidade, percebemos o mercadinho dando espaço para um supermercado, a soparia fechando as portas para que chegasse uma temakeria, o carrinho de tapioca saindo de cena para dar espaço ao foodtruck. A cidade foi virando um microuniverso da classe média/alta pessoense.
A cidade de Bananeiras, tombada pelo Iphaep, rapidamente se expandiu e, bem, qual a problemática disso? Se você já ouviu falar no fatídico São João de 2019 (o dia em que a cidade parou), saiba que a questão vai além. A malha urbana de lá, de uma forma geral, continua se expandindo e, com isso, o Iphaep começa a perder de vista os limites do seu campo de atuação (lembrando que patrimônio histórico não é só edificação; é também paisagem cultural). Com os condomínios fechados recortando as serras, os prédios históricos se fragilizando, o encarecimento do custo de vida, a população mais antiga da cidade vai sendo empurrada para a periferia, para as áreas rurais (que também estão deixando de serem rurais).
Existem dois lados da moeda: o PIB da cidade melhorou expressivamente e os nascidos e criados em Bananeiras passaram a ter maior fonte de emprego e renda. O artesanato local tem sido mais consumido e muitos moradores passaram a viver do turismo, por exemplo. Mas quem são os donos dos negócios, quem está no topo da cadeia? O retorno maior dessas vendas e empreendimentos é utilizado na própria Bananeiras ou acaba girando a economia da capital? Os investimentos dentro do município estão sendo pensados para sua população de dentro ou de fora dos condomínios? As escolas, os postos de saúde, o saneamento básico, o investimento na cultura… Como estão? São perguntas sinceras, sem provocações gratuitas.
O São João 2023 de lá foi bem sintomático e um bom resumo de tudo que vem acontecendo na cidade. De 22 a 25 de junho, vimos não mais uma grande tenda com trios pé de serra e a sala de reboco perto da pracinha, mas sim engarrafamento de 2h30 dentro da cidade; estacionamentos privados custando entre R$ 50 e R$ 70 a noite, camarotes (a R$ 500 por pessoa), portões, compra de bebidas apenas dentro do local, sem coberta para o público não pagante (que tomou bastante chuva) e ouvimos tudo menos forró pé de serra no palco montado fora do centro da cidade que, se em 2010 contabilizava 20 mil habitantes, nesse fim de semana recebeu mais de 100 mil pessoas. A festa da cidade parecia qualquer outro festival de música pop, como os “fests” que acontecem em João Pessoa no verão. Foi algo deslocado, esquisito. Festa pública com cara e tom de festa particular.
A questão aqui não é ser purista no sentido pejorativo, eu prometo. O ponto é que me parece óbvio que, quando se trata de uma festa oficial organizada pela prefeitura, nada mais justo do que se manter (ao menos no próprio dia da celebração) ao que faz sentido, à tradição tão bonita e marcante que é o São João no Nordeste. Apenas em uma matéria no site da prefeitura, encontrei uma programação “alternativa” (com direito a São João “kids”), com forró no coreto durante alguns dias sem grande movimentação na cidade.
E se Bananeiras desse uma “olindazada”? Vamos usar esse exemplo da cidade pernambucana que fica tomada por bloquinhos e festas durante o Carnaval. Quem quer o tradicional frevo, tem de rodo. Quem quer a farra ouvindo algo diferente, tem festas particulares, um local ou outro que oferece algo além das marchinhas. E é isso que torna Olinda mundialmente conhecida. Aproveitando a analogia, vejo que a belíssima e aconchegante Bananeiras sempre teve potencial de ser uma Olinda ou uma Ouro Preto, mas, com o exemplo da festa de São João, periga acertar numa Pipa: gentrificada e descaracterizada.
*Coluna originalmente publicada na edição impressa de 28 de junho de 2023.