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#192 Os pesadelos sociais em ‘Shiva Baby’

publicado: 13/09/2023 09h55, última modificação: 13/09/2023 09h56
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Sennott na comédia que foca no contexto familiar, religioso e nos ‘sugar daddies’ - Foto: Mubi/Divulgação

por Gi Ismael*

Não se engane pelo título desta coluna: o filme que venho indicar hoje é, na verdade, uma esquisita e maravilhosa comédia lançada em 2020. Disponível nas plataformas de streaming Mubi e Prime Video, Shiva Baby traz um dia na vida de uma jovem que precisa ir a um evento de shivá, o período de sete dias de luto no judaísmo. O alguém em questão é… Bem, nem a protagonista sabe ao certo. Esse é um daqueles momentos que seus familiares pedem com muito carinho para você ir, sabe?

Quase todo o filme se passa na casa lotada de pessoas nesse after do velório e é esse ambiente progressivamente mais claustrofóbico onde acontece toda a trama da comédia. O que pode ser tão pior do que um evento lamentando a morte de alguém? Para a jovem Danielle (Rachel Sennott), foi ter encontrado seu sugar daddy na ocasião.

O filme, que começa bem calmo até os primeiros momentos na casa onde acontece o shivá, tem uma crescente tão suave que é quase imperceptível a escalada que ele realiza até chegar ao caos total. E esse caos é quase um filme de terror! Só que ao invés de assassinos, fantasmas ou monstros, os pesadelos são constrangedoras situações sociais que ninguém gostaria de passar. Exemplo? Encontrar num mesmo ambiente todas aquelas tias comentando sobre seu peso e perguntando sobre paquerinhas; aquela sua amizade colorida que se encontra num momento estranho; o seu “cliente de luxo” – que trabalha com seu pai – acompanhado de uma esposa e a filha (sem você saber da existência de nenhuma) e por aí vai. Unindo isso ao álcool, coisa boa não pode vir. Com uma trilha de deixar John Carpenter orgulhoso, é no meio desse caos total que, quando você menos percebe, já está prendendo a respiração afundado no sofá.

Shiva Baby foi idealizado como um curta-metragem, lançado em 2018. A repercussão foi tão instantânea e espontânea que transformar aqueles oito minutos num longa-metragem (quase um média). E que acerto da diretora e roteirista Emma Seligman! Com maestria ela juntou drama, uma comédia inteligente e, sim, “thriller social” em doses certas para um filme curtinho (são apenas 77 minutos de duração) e de baixo orçamento.

Emma Seligman utiliza muito dos close-ups para deixar a experiência mais claustrofóbica e principalmente imersiva, além da iluminação que muda de acordo com o estágio de embriaguez e afundamento social. Tudo que acontece com Danielle parece estar acontecendo com a gente que assiste, mesmo se nada na nossa vida tiver semelhança com aquela realidade judaico-jovem-bissexual e isso é uma das chaves do sucesso do filme.

Shiva Baby é o tipo de comédia sagaz que não te faz gargalhar, mas garante aquele sorrisão amarelo em meio tantas trapalhadas, escolhas questionáveis e personagens únicos. Filme maravilhoso e, confesso, na dose certa: não sei se aguentaria mais tempo de ansiedade em tela, Joias Brutas (2019) já cumpriu esse papel há alguns anos!

*Coluna publicada originalmente na edição impressa de 13 de setembro de 2023.