Notícias

#46 Para novos tempos, novos formatos

publicado: 29/04/2020 09h58, última modificação: 03/11/2020 11h25
LIVE LUZINETE.png

Cantora paraibana Luzinete, mais conhecida como a ‘A Rainha da Seresta’, reuniu virtualmente mais de 70 mil pessoas através da transmissão ao vivo pelo YouTube - Foto: Reprodução/YouTube


É, no mínimo, irônico que nos últimos meses a internet brasileira, que foi dominada pelo “ninguém solta a mão de ninguém”, tenha virado o berço do “vocês que lutem” e agora está num clima de “é, na verdade, eu que lute”. Novos formatos surgem espontaneamente ou forçados de goela abaixo, seja para trabalhar, para estudar ou para manter a mente sã e o corpo igualmente.

Entre as várias categorias trabalhistas que conseguem pensar em novos formatos está a artística. De um mês para cá, a popularidade das lives, as transmissões ao vivo pela web, fez com que nomes grandes e pequenos da música, por exemplo, aparecessem de forma inédita para muitos fãs. Quem aqui imaginou que um dia mais de 70 mil pessoas se juntariam, cada uma em sua casa, para assistir a uma live de Luzinete, A Rainha da Seresta, via YouTube? E que 100 mil pessoas já assistiram a gravação desde então? Mas tão pouco apareceu e o formato já apresenta necessidade de ajustes.

De imediato, três coisas foram percebidas com as astronômicas lives dos artistas sertanejos: primeiramente, a incompatibilidade do uso excessivo da bebida alcoólica por parte dos cantores e o livre acesso para público de todas as idades aos shows virtuais. Justamente pelo ponto anterior, vem o nosso próximo: a aplicação indiscriminada de marcas nesses eventos, como foi o caso com Gusttavo Lima. O Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (Conar) abriu uma representação contra o cantor e contra a Ambev em decorrência da transmissão não ter seguido as diretrizes estabelecidas para a promoção de bebidas alcoólicas. E aí, com isso ajustado na maioria dos casos, veio um terceiro tópico: o perigo da saúde pública nesses eventos. Na live de Jorge e Mateus, por exemplo, uma aglomeração de pessoas apareceu por trás das câmeras, gente amontoada e sem usar máscaras. Em tantas outras apresentações, as bandas se reúnem e não cumprem nem a recomendação da Organização Mundial de Saúde (OMS) de manter uma distância mínima de 1,5m entre as pessoas.

Será que quem pede para você ficar em casa está tomando os cuidados necessários também? Gabriela Pugliesi mostrou este fim de semana que não, mas isso é assunto para outro dia. A internet não é tão “terra de ninguém” como se pensa, no final das contas. A vigília é tão grande quanto à do público do Big Brother e, assim como a nudez seletivamente castigada, cada detalhe será notado.

O público continua pedindo por mais lives, mais entretenimento, mais distração. Os artistas aderem, os mais bemsucedidos em prol de campanhas e instituições que passam por dificuldades, enquanto os independentes precisam e vão atrás do seu ganha-pão. Mas a possibilidade de que chegue um momento em que a própria imagem desses artistas torne-se desgastada é grande, a curto ou médio prazo. Falando dos artistas regionais e sem a projeção dos arrastadores de multidões, a quantidade excessiva de apresentações on-line pode criar um desinteresse logo logo, e a grana que estão fazendo agora pode até não vir tão forte no futuro, quando finalmente pudermos assistir a um show fora de casa.

A novidade se esvai e dá espaço para a mesmice. E, infelizmente, pode chegar uma hora em que o público, que também precisará se reorganizar financeiramente, não consiga mais contribuir financeiramente para os muitos projetos que aparecem. O planejamento precisa se mostrar presente até para o formato despretensioso e facilitador que é a transmissão ao vivo via YouTube ou Instagram. Agenda de shows organizados e espaçados, esquema de ingressos, setlists colaborativos, masterclasses, apresentações temáticas, enfim.

Nós, jornalistas mil e uma utilidades, podemos nos repensar também em como a assessoria pode, bem, assessorar a classe artística nesse momento. O mesmo vale para produtores, profissionais da fotografia, videomakers, enfim. Não é fácil e, sim, não será fácil para eu, para você, e para muitas pessoas. A gente que lute, não é? E que o ócio, se existir, torne-se criativo!

*publicado originalmente na edição impressa de 29 de abril de 2020.