E se a gente estivesse num filme indie? Daqueles com casais atrapalhados formados por meninas desastradas e caras desengonçados (a heteronormatividade é proposital para o meu exemplo, tá bem?). Juno (2007), 500 Dias com Ela (2009), Frances Ha (2012). Esses filmes com trilha sonora de muito bom gosto e fotografia charmosa. Nossos fins de semana em casa dariam o mote. Nós deitados na cama cheia de coisas e, no meio de tudo, um violão e um ukulele.
Tem coisa mais hipster do que ukulele? Tem não. Tava lá em Ela (2014), isso já é prova suficiente.
Nesse roteiro, a gente iria cantar e tocar. Risadas várias. Uns amassos também. Alguns gatos na cama, claro. Assuntos aleatório com uma teoria que surgia do nada são necessários no enredo. Fofo, né? Esqueça as comédias românticas hollywoodianas, com previsíveis chegadas no aeroporto no último minuto ou ódio mortal transformado em paixão. Ok, elas são essenciais nos momentos públicos, com aquelas cenas com olhos de bola de cristal que se penetram numa distância impossível para a minha miopia.
Mas como todo filme de romance, é necessário também um conflito. E é quando eu penso nesse conflito que eu me arrepio toda. Isso porque, do jeito que as coisas andam, estamos mais num roteiro pré-apocalíptico. Algo que vem antes de Eu Sou A Lenda (2007) ou Ensaio Sobre a Cegueira (2008). Todos os elementos -- COMBINADOS! -- estão aqui: uma pandemia global com centenas de milhares de mortos, aqui no país, um governo federal filhote de fascista junto com uma crise política. Por muito menos outros presidentes caíram e me pergunto: qual será o ponto de reviravolta desse enredo?
Estou sendo pessimista. Não posso esquecer daqueles longas de revolução progressista que contam vitórias divisoras de águas. O tom do protesto pode ir de um V de Vingança (2005) a um Ghandi (1982).
Mas agora trancafiados não há muito o que fazer. Outrora a gente sonhava no sossego caseiro, um descanso de toda a rotina. De repente, o sonho vira angústia. Não mais sentimos falta da nossa cama depois de um exaustivo dia de trabalho. Não mais furamos uma saída por pura preguiça. Saudades até do pastel com caldo de cana, na tendinha na beira da estrada, que tanto prometemos fazer valer o rodízio e nunca efetuamos o compromisso.
Vida real é isso, eu sei. Mas já deu pra perceber por esses e outros textos que sou uma sonhadora invicta. Pensando bem, uma boa leva desses filmes “cultszinhos” citados não acaba com o final lá muito feliz. O que me faz voltar atrás sobre que eu disse no começo: e se a gente estiver num enredo de animação? Mas tem que ser Pixar -- estou fugindo dos “minions” e “malvados favoritos” há um tempo. Pode ser até um curta, já que até neles a tristeza é passageira e o “felizes para sempre” vem carregado de uma lição de moral transformadora.
Não sei. Só sei que isso tudo parece roteiro de filme.
*publicado orignalmente na edição impressa de 20 de maio de 2020.