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#60 Sexo, drogas e pista de dança

publicado: 12/08/2020 00h01, última modificação: 03/11/2020 11h25
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- Foto: Crédito: Reprodução

tags: climax , gaspar noé , gi ismael , gi com tônica

 

O cinema europeu conta com algumas daquelas figuras polêmicas que o público ama odiar. Em Cannes, estas figuras sempre ganham um tapete vermelho para guiá-las até a esperada sessão de estreia de um novo filme provocateur. Para Gaspar Noé (Love, 2015, Viagem Alucinante, 2009), cineasta franco-argentino, criar obras polêmicas é um dos principais motes de seu trabalho. Porém, Climax (2018) -- uma das produções mais recentes dele -- traz uma experiência mais equilibrada unindo um terror grotesco com o cinema autoral. 

Na década de 1990, uma companhia de dança da cidade de Paris decide fazer uma grande festa no prédio onde habita para comemorar uma turnê aos Estados Unidos que aconteceria no dia seguinte. Algumas horas depois do início da badala, um comportamento estranho e visceral é visto nos jovens, que descobrem -- tarde demais -- terem bebido sangria batizada com LSD. A história é levemente baseada num fato real.

Ler o nome de Gaspar Noé pode assustar alguns conhecedores de sua obra, já que o longa Irreversível (2003), protagonizado por Monica Bellucci, é tido como uma das produções mais grotescas e cruas do cinema francês graças a, entre outras coisas, uma cena de estupro com mais de 15 minutos de duração gravada em plano sequência. Justamente por saber disso, nunca tive vontade de assistir o filme e mantive por anos os dois pés atrás com o diretor. Mas parece que Gaspar aprendeu que não é necessário usar cenas e enredos nesse grau de exploitation para fazer um filme impactante. 

Calma: isso não quer dizer que Climax é um filme com bolhinhas de sabão e ursinhos carinhosos. O longa conta com cenas realistas de sexo, forte consumo de drogas e situações perturbadoras como é de se esperar do universo “cinema chocante de festival francês” que se passa na cabeça de Noé. Todas as escolhas do filme, entretanto, parecem proporcionais e condizentes com o que a produção pretende entregar ao público. 

Climax é um filme curto, de pouco mais de uma hora e meia de duração, e de excelentes escolhas cinematográficas. Plano sequência que se estende por mais de 20 minutos, longos takes com a câmera inversa e esquemas monocromáticos tornam o filme ousado sem ser pretensioso. Arrisco a dizer que a cena inicial, uma fantástica introdução sem cortes às habilidades dançantes do elenco, sob um remix de “Supernature” (Cerrone), é uma das mais marcantes aberturas do cinema contemporâneo. Com o desenho de som cuidadosamente caótico, os 97 minutos de filme parecem durar duas horas, não por ser monótono, mas justamente por ilustrar a decadência progressiva de maneira detalhada, transportando o espectador para dentro daquele prédio dos horrores.

Esse é um terror que arrepia por trazer uma possibilidade real de uma festa que deu errado e a forma como a história é contada, definitivamente, não é para os fracos de coração. Climax é impactante mas não traumatizante, tornando-se uma experiência imperdível para ser consumida principalmente por amantes do cinema não-comercial -- ainda para que ame ou odeie o filme.

*publicado originalmente na edição impressa de 12 de agosto de 2020.