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#103 Sons de Mercúrio e de Feira de Santana

publicado: 11/08/2021 08h00, última modificação: 11/08/2021 12h28
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tags: sons de mercúrio , música independente


Por alguns anos, consegui me manter atualizada das novas bandas brasileiras e suas diversas cores e sons. Mas confesso que, há ao menos quatro anos, à parte a música paraibana, me pego ouvindo praticamente as mesmas coisas que sempre ouvi. É como se, por mais que eu tentasse, fosse mais difícil ser fisgada por um novo som. 

Fiquei legitimamente contente quando recebi uma mensagem no Instagram com um convite para ouvir ‘O Eu Chamado e Outras Jornadas’, disco novo de Sons de Mercúrio, uma dupla de Feira de Santana, Bahia. Não sabia o que esperar e recebi em troca um som que, pelo visto, estava faltando no meu cotidiano.

O duo é formado por Mohzah Nascimento (voz, violão e guitarra) e Cartre Sans (voz, violão e piano) e existe desde 2017.

Cheguei um pouco atrasada nesse rolê, já que o primeiro disco da banda, o ‘Entre Crendices e Amores Pagãos’, foi lançado em 2019. Sabemos que nunca é tarde para se conhecer música boa, não sabemos? Pois pronto. 

Lendo um pouco mais sobre o grupo nas interwebs, vi que todas as faixas até então lançadas pelo duo abarcam os 22 arcanos maiores do tarô, entre eles A Temperança, A Estrela, O Julgamento e O Louco. 

Sons de Mercúrio é uma banda rica. Rica em suas composições, rica em seus instrumentos e arranjos. É encorpada, completa. Ouço nela elementos de alguns de meus projetos prediletos que flertam com o folk e o rock progressivo, como Fleet Foxes, Os Mutantes e Cartoon, ao passo que nenhuma banda específica consegue definir de cabo a rabo o som do duo feirense.

A banda que acompanhou Mozah e Cartre na gravação mais recente foi composta por Elder da Silva (bateria), Ivan Souza (baixo), Gilmar Araújo, Igor Gnomo e Paulo Victor (guitarras). Mas nem só do clássico trio de instrumentos se faz o disco: tampura, sitar, ganzá, acordeon, bandolim e taiko estão presentes ao longo do álbum. Destes, ao menos três eu precisei pesquisar no Google, não vou mentir.

O álbum tem participações dos vocais de Almério, Joana Terra, Jorge Benvinda e Cascadura, todos gravados em estúdios fora de Feira de Santana. “Esse disco foi um parto, mulher. Imagine, a gente com o prazo da lei Aldir Blanc, com caso de covid, com distanciamento e um por um dentro do estúdio. A banda não tocou junta!”, contou Mozah. No final, tudo deu mais que certo. 

O espaço não me permite fazer um “faixa a faixa” do álbum, mas vale o registro de uma delas que sintetiza ‘O Eu Chamado’. Sons de Mercúrio não tem amarras a um único gênero musical ou forma de cantar, e a primeira faixa deixa claro que a dupla, sem pôr de lado a criatividade e as habilidades instrumentais, se diverte em suas produções. ‘Lei do Balanço’ é uma bela divagação sobre as contradições de todas as coisas e as tempestades que precedem as calmarias. Sua melodia é como um equilibrista: ela segue numa linha reta até parecer perder o foco no refrão, trazendo um pouco de caos a ordem e se restabelecendo logo em seguida. Me veio a imagem de como deve ser divertido um show dos caras. Fica aí mais essa meta pós-covid. 

Algo que fica claro na segunda audição de ‘O Eu Chamado e Outras Jornadas’ é que quanto mais você escuta o álbum, mais detalhes percebe. E isso não significa que o trabalho seja uma grande bagunça aleatória; é, de fato, o oposto disso. Quando se consegue deixar redondinho um disco repleto de instrumentos, de vocais e de participações especiais, até as cartas do tarô apontam para um futuro promissor.

*Coluna publicada originalmente na edição impressa de 11 de agosto de 2021.