Estreou na última quinta-feira (27), no Netflix, um novo curta-metragem de Paul Thomas Anderson (‘Magnólia’, 1999), estrelado por Thom Yorke, frontman da banda britânica Radiohead. Contracenando com Thom está a atriz italiana Dajana Roncione, namorada do músico, e dezenas de dançarinos e dançarinas. O filme se baseia em três músicas do novo disco solo de Yorke e, não por menos, recebe o título do disco: ‘Anima’.
Repleto de coreografias, jogos de câmera e uso impecável de luz e sombra, ao longo dos 15 minutos vemos um diálogo belíssimo entre música e vídeo. Tudo começa com Thom acordando de um cochilo em um vagão de metrô onde outras pessoas parecem igualmente exaustas. Elas dançam a mesma coreografia e se vestem de forma monocromática. No meio dos passageiros, os olhares de Thom e Dajana se encontram. A moça se distrai e, ao sair do vagão com a horda que a acompanha, esquece uma maleta. Yorke vai então em busca dela.
‘Anima’ não chega a ser um álbum visual -- para acontecer isto, seria necessário que pelo menos 80% das faixas tivessem um complemento visual, por exemplo --, mas é igualmente estonteante. Das nove faixas do disco, só três aparecem no curta-metragem. Lendo a pequena sinopse que dei no parágrafo anterior, o filme até parece uma comédia romântica musical. Mas não é isso. Esse é o tipo de produção que é difícil acertar em cheio quais metáforas carrega e reais significados daquilo tudo; por isso, deixo aqui minha humilde interpretação. É um curta sobre ansiedade, sobre o mundo corporativo, sobre permitir-se sair da rotina; é uma reflexão sobre o que vale a pena. São minutos de sincronicidade, rituais, padrões e quebras.
No filme, Thom é apenas mais uma peça numa sociedade distópica sem personalidade e criatividade, repleta de filas que não levam a lugar algum e papéis sem importância. Ao avistar Dajana, ele passa a andar na contra-mão, solitário. O caminho não é fácil: ele luta para sair do ritmo e se afastar da massa até que, eventualmente, os dois consigam escapar. Em entrevista à revista Crack, Thom Yorke disse que pensou “de verdade que uma boa forma criativa de expressar a ansiedade seria em situá-la em um ambiente distópico”.
‘Anima’, tanto o disco quanto o filme, aparece após dois anos de bloqueio criativo de Thom Yorke. As coisas passaram a fluir melhor quando foi convidado a compor a trilha sonora do remake ‘Suspiria’ (2018). As músicas presentes no disco foram compostas em parceria com Nigel Godrich, produtor que trabalha com Thom e o Radiohead desde o disco-obra-de-arte ‘Ok Computer’ (1997). Com as vertentes experimentais da música eletrônica, as faixas são fruto de improvisos no palco quando os dois artistas saíram em turnê em 2018.
Imagino que essa vá ser uma produção que ainda será muito mastigada e destrinchada por fãs e entusiastas ao redor do mundo (e já surgem algumas teorias na mídia social Reddit). Retratos pendurados no metrô, figuras de um olho só, inscrições em tcheco. Tudo parece ter um sentido. “O que acontece com os seus sonhos?”, pergunta um cartaz na estação de metrô. Dá vontade de ver frame a frame.
Um dos pontos altos do curta é o ato da música ‘Dawn Chorus’, que traduz bem o sentimento do filme. O protagonista é chamado de “cul de sac”, expressão francesa que significa fundo do poço ou beco-sem-saída. Ele é lembrado que se demitiu de novo e que vai continuar a fazer tudo de errado. Ao invés de conformar-se, ele é desafiado: você ainda pode tentar tudo de novo. E já que o filme começa com o personagem acordando e acaba com ele dormindo, o sentido da música casa perfeitamente com o recurso de looping da trama. Depois de tempos sombrios, Thom Yorke provou: no final, vale a pena tentar novamente.