*Atenção: spoilers consideráveis a seguir*
Numa sociedade não muito distante da nossa, o governo desenvolve um confinamento alternativo, um meio termo entre uma prisão e um sanatório. O local é um prédio subterrâneo, um poço onde as pessoas vivem numa anarquia e poucas regras a se seguir. A vida delas é voltada para o simples ato básico de sobrevivência: a comida. O prisioneiros do alto são privilegiados e recebem o banquete. Os das plataformas mais profundas precisam comer os restos das pessoas mais acima. A cada mês, quem estava em cima desce e quem estava embaixo, sobe. Este é o mote do filme O Poço (2020), original Netflix que entrou em cartaz no fim de semana.
Apenas pela sinopse já entendemos que o filme é carregado de crítica à nossa injusta sociedade capitalista. É uma forma inusitada e original (ao menos para mim) de abordar o tema. A originalidade da trama cativa. A história é contada de maneira densa, pesada e por vezes gore. Mas o que poderia ser um filmão acaba sendo uma obra mediana quando apresenta um roteiro que nos explica demais. Além de claras e constantes referências religiosas, temos personagens que, cena após cena, comentam que os de cima se sentem superiores e que os de baixo, ao ocuparem aquele espaço mais alto, farão o mesmo. Cena após cena, subestima-se o raciocínio lógico e a inteligência do público. O próprio título do filme faz o favor de nos guiar pela figura de linguagem “o fundo do poço”, expressão usada em diversos países (com outras construções mas o mesmo significado), então me parece desnecessário ocupar tanto tempo de tela com algo que entendemos ainda nos 10 primeiros minutos de filme. É possível que o filme impacte mais pela estética gore/canibal recorrente do que pela moral da história em si.
O Poço era, até o último domingo, o mais assistido na Netflix pelos brasileiros nas últimas semanas. Se não fosse tão explícito (digo em mensagem, e não conteúdo), ele continuaria sendo o mais assistido? Minha singela opinião? Sim, e um exemplo recente bem claro é o estrondoso Parasita (2019), de Bong Joon-ho. A produção não precisou ser explícita em cena para que se subentendesse as nuances sociais do filme. Isto, muitas vezes, separa um filme de uma obra prima. Uma obra-prima que conseguiu alcançar um público acostumado com filmes hollywoodianos, feito com orçamento de U$ 11 milhões e que arrecadou mais de U$ 250 milhões pelo mundo.
Este é o primeiro longa-metragem dirigido pelo espanhol Galder Gaztelu-Urrutia e, talvez por isso, ele tenha um modus-operandi característico de uma boa parte de curtametragens que terminam em aberto por simplesmente não haver tempo hábil de contar-se uma história de forma mais aprofundada. O Poço é, ironicamente, raso demais. Ele é... óbvio. A ficção distópica tem um final que eu raivosamente chamo de “coito interrompido”. Estes epílogos são aqueles em que os filmes seguiram numa crescente e, no ápice da história, acabam. A impressão que tive foi de que não souberam terminar o roteiro ou alguém interrompeu o fluxo de pensamento no meio do processo.
Temos, ao fim, um rapaz tido como messias que sacrifica-se para salvar a vida de uma criança que não tem relação alguma com ele. Mas toda a jornada cai por água abaixo quando não sabemos se aquilo tudo valeu a pena. Uma única cena teria revertido esse sentimento e não precisava de mais meia hora de trama para fazer isso. Talvez a recepção da garotinha. Talvez um desfecho trágico como os dos grandes livros da ficção distópica. Qualquer coisa que não o recurso clichê e vazio que é um close-up aleatório. Mas, no fim das contas, foi como se eu estivesse escrevendo essa coluna construindo um raciocínio lógico para te apresentar e, de repente,