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#16 Vinte anos depois, um novo clássico dos anos 1990

publicado: 14/08/2019 09h26, última modificação: 03/11/2020 11h26
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- Foto: - Divulgação

tags: rocko , a vida moderna de rocko , netflix , gi ismael , gi com tônica

 

Há um grande perigo hoje em dia em se fazer remakes ou episódios especiais de produtos considerados clássicos na cultura pop. As produtoras se deparam com uma corda bamba cercada, de um lado, por um público novo a ser fisgado e, do outro lado, por gente nostálgica com olhos microscópicos prontos para analisar cada detalhe tim-tim por tim-tim. 

O terreno dos desenhos animados é um dos mais sagrados, que só deve perder para o de histórias em quadrinhos. E antes que você pense, não, não é um texto sobre o “live action” de ‘O Rei Leão’: vim falar hoje sobre ‘A Vida Moderna de Rocko’! “Ué, assim, do nada?” foi exatamente o que pensei quando me deparei neste fim de semana com um episódio de 40 minutos na Netflix. O programa, que deveria ter ido ao ar em 2018 na Nickelodeon, acabou sendo vendido para o serviço de streaming e entrou no catálogo há poucos dias.

‘A Vida Moderna de Rocko’ foi um desenho criado em 1993 por Joe Murray para a Nickelodeon. No Brasil, a série só começou a ser transmitida no ano em que parou na TV americana, em 1996. Rodou alguns canais brasileiros como a própria Nickelodeon, a Rede Globo, SBT, Band e, atualmente, na Rede Brasil de Televisão, então é bem provável que você já tenha se deparado com o desenho por aí ao longo desses 20 anos.

Quem viveu sabe que a vida de telespectadora de TV nos anos 1990 e começo dos anos 2000 era baseada em quase sempre assistir a episódios aleatórios e ficar sem saber bem como terminaram algumas séries que você tanto amava (só a gente sabe a revolução que foi quando acabou o abismo entre a era VHS e o recurso de gravar as coisas diretamente no aparelho de TV à cabo). Digo isso porque quando vi Rocko na Netflix, o coração bateu errado e comecei a assistir aquilo para, alguns minutos depois, perceber que eu não sabia como o desenho havia acabado -- e, na verdade, nem muito do que acontecia cronologicamente nas temporadas. Diferente de hoje em dia, que eu tomo nota de tudo que assisto em um aplicativo e não me orgulho disso, antigamente eu só _assistia_ as coisas. Mas se você é como eu, não se preocupa, dá pra acompanhar a história mesmo assim.

Pois bem: a trama de ‘Rocko’s Modern Life - Static Cling’ se passa vinte anos após o canguru, o Vacão e o Felizberto estarem à deriva no espaço e conseguirem retornar para casa, a cidade de O-Town. Eles se deparam com uma vizinhança completamente diferente, onde a loja de história em quadrinhos deu espaço para uma impressora 3D, lojas de carros se transformaram em concessionárias de drones e as pessoas são viciadas em smartphones de última geração, café e um drink energético radioativo. Enquanto Vacão e Felizberto entram de cabeça nisso (virando até ‘o-tubers’), o Rocko é reticente e só quer uma coisa: que seu programa de TV preferido volte a ser transmitido, nem que seja por um episódio especial. 

A estética non-sense do desenho permanece assim como as críticas que ele já mostrava na década de 1990 (como o antro do capitalismo na cidade, o Conglomerado, e seus empregados-zumbis que seguem o lema de “não devemos registrar as horas extras”) e desenvolve o discurso da metalinguagem ao longo do episódio especial. O que começa como um frenético desenho sobre a busca do Rocko por um conforto que é o programa de TV preferido, se transforma numa bonita lição sobre a inevitabilidade das mudanças. Elas são mostradas através da cidade, do trabalho, da família, e do “ser” ao apresentar, por exemplo, uma personagem antiga essencial para o desenvolver da história que agora se identifica como transgênero.

Foi uma forma muito inteligente de Joe Murray trazer de volta um personagem tão querido quanto Rocko, uma vez que o próprio criador da animação parou o projeto em 1996 quando estava atrás de novos ares para a sua vida pessoal, dedicando mais tempo para e com a família. O personagem que ele criou na década de 90 representa aquelas pessoas que citei lá em cima, a fanbase que é reticente a mudanças e purista com coisas que consideram sagradas demais para serem tocadas. A carapuça me serviu e até me tirou um pouco de medo de assistir ao remake de O Rei Leão. Semana que vem eu conto pra vocês como foi.


*publicado originalmente na edição impressa de 14 de agosto de 2019