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A dívida com Augusto

publicado: 15/09/2025 08h27, última modificação: 15/09/2025 08h27

por Gonzaga Rodrigues*

Sem sair daqui volto, novamente, à casa de D. Nininha, em minha Alagoa Nova. Há mais de 70 anos ela me viu passar, adolescente, com o “Eu”, de Augusto, debaixo do braço, ela receosa a fazer-me seu reparo do alto de sua janela: “Você é muito novo ainda para ler essa poesia”. 

— Por ser difícil e triste?

E ela: “Não é por ser difícil nem triste. É na sua idade entrar num mundo sombrio, impressionante para um moço ainda sem experiência de vida”.

D. Nininha foi sua aluna numa fase em que o poeta andou ensinando na Escola Normal. Formara-se em Direito, mas sem sofrer a tentação, como era da época, de ser o brilhante advogado. Sem militar numa carreira que era a porta central para o sucesso na política, na administração, no êxito social. Em vez de fazer carreira como os Rodrigues de Carvalho e seus próprios irmãos Odilon, Artur, afundou-se noutras especulações bem mais essenciais à sua poesia do que ao êxito social. 

D. Nininha o admirava, impressionava-se com o professor e estranhava que “uma competência daquelas não morasse nas Trincheiras, num palacete de Tambiá, como veio morar depois um irmão encostado a ele”.

— Ele já era famoso, nesse tempo da Escola Normal? 

Falou que não era pela fama, mas pela emoção de suas aulas, mesmo as de Álgebra. A sala paralisava pela entonação de sua voz e de suas palavras. “Parecia não ser deste mundo”.

— E ele também ensinava Álgebra?

— Ensinava, envolvendo os alunos na empolgação. 

E lembrei-me da conferência de José Américo (“O pássaro molhado”), onde o conferencista se descreve andando ao lado do poeta, na Praça Comendador Felizardo (atual João Pessoa) repassando essa mesma impressão de transcendência da sua fala ou da sua récita, também curtida por uma das criaturas  mais doces de minhas lembranças, d. Nininha.

Em 1982, revendo-a aos 90 anos, tive a felicidade de reencontrá-la em outro instante de emoção, ao deixarmos o Espaço Cultural inaugurado sob a batuta de Karavichevski, contratado para reger a sinfônica local numa sinfonia de Beethoven.

Com a diferença de que esse novo momento de elevação não atingia apenas d. Nininha e o menino que lia Augusto, mas gente de altos ou de poucos estudos, grandes e pequenos, viessem da beira-mar elitizada ou do Varjão ou Mandacaru.

 Naquela noite já distante, apoiada no braço do sobrinho, o xale protegendo-lhe a garganta da forte brisa da noite, deu-me a felicidade desse novo e último encontro, justamente num momento em que todos subíamos às nuvens. 

Voltei a me lembrar de tudo isto há mais de 10 anos, ali sozinho num banco de praça de minha Alagoa Nova, quer dizer, sem vivalma que me conhecesse, sem ser alvo de um cumprimento.

É o que me acode agora ao saber que na noite da nossa Academia comparece o Governador do Estado, professor João Azevêdo, de outra geração, de formação e visão essencialmente técnicas, mas de sensibilidade não alheia a essa dívida da Paraíba em face do culto do Brasil inteiro ao nosso maior poeta.

*Coluna publicada originalmente na edição impressa do dia 14 de setembro de 2025.