Folgo em ver o Lajedo do Pai Mateus fazendo o encantamento da arte fotográfica de uma mineira sensível e imaginosa. Ivonete Leite converte a paisagem lítica do nosso Cariri em qualquer coisa de lunar e fantástico. “Esse olhar poético que parte de um dos princípios básicos da fotografia (acentua o texto de André Dib justificando o título) pode ser conferido na exposição Kiriri que será aberta amanhã (sexta-feira passada) no Hotel Globo do Centro Histórico.”
Nenhuma ganância de lucro imobiliário irá escalar os nossos penhascos de aclive inexpugnável para tirar do seu incrível equilíbrio esses tesouros
Gonzaga Rodrigues
Tem sido essa paisagem, o lítico monumental e os rastros de dinossauros, o display invulnerável da Paraíba turística dos dias presentes. Nenhuma ganância de lucro imobiliário irá escalar os nossos penhascos de aclive inexpugnável para tirar do seu incrível equilíbrio esses tesouros. Como, igualmente, nenhuma mudança de clima ou de vida econômica e social irá modificar os traços nativos do nosso vaqueiro. Ele pode chegar a ser um Assis Chateaubriand, mandar em presidentes, meter-se a coroar reis ou rainhas, mas a cara de corajosa afoiteza nunca deixará de ser a que o fotógrafo Antonio David botou para dentro de um álbum que é uma vaquejada viva e ostensiva da Paraíba vestida de couro ou dos traços naturais do seu povo aberta ao mundo.
A Pedra do Ingá, a mais famosa gravura rupestre do Brasil, não tem logrado a mesma sorte. Continua limitada à leitura de algum livro ou revista de arqueólogos. A nossa propaganda não tem conseguido tirar partido desse enigma milenar da arqueologia continental, cravado às margens da estrada central aberta à contemplação ou ao interesse turístico do país. Não sei, também, como anda a infraestrutura de apoio às itacoatiaras.
Só sabemos vender o mar, o sol, esse refrão que a Bahia e os nossos vizinhos do norte fizeram com êxito e que só agora dá sinais de vida entre nós. No entanto, é um dos monumentos mais especulados no círculo fechado dos arqueólogos que estudam o Nordeste brasileiro. Investigada de tempos imemoriais, continua desafiando o desenvolvimento da pesquisa científica. Nunca foi decifrada e é possível que jamais venha a ser. E sua grande importância parece residir nesse mistério, gerando versões que vão desde a presença de fenícios à de extraterrestres. Uns conjeturam que as inscrições teriam origem na escrita da ilha da Páscoa, no Pacífico; outros, que se trata de um calendário solar. Tudo carece de fundamento. O que se pode afirmar é que as criaturas que trincharam pedra sobre pedra, com certa uniformidade - aqueles pontos, traços e figuras que faziam a festa da vida de Balduino Lélis - essas criaturas já se exprimiam como entes culturais primevos. Já farejavam ou desejavam além do instinto, obedecendo a uma certa ordem na elaboração do seu painel. Como acham os entendidos, já tentavam expressar uma mensagem de criatura superior ao Neolítico.
Vem se desgastando, a erosão já atingindo a lousa primitiva onde foram talhados seus hieróglifos.
É um monumento do mundo escondido por trás do costumeiro isolamento promocional da Paraíba, sempre tímida em acreditar na medalha que a equidistância geográfica veio colocar em seu peito sob a luz de um sol esplendoroso. É essa timidez ou insensibilidade que vem ensombrando, desde que se fala em turismo, o nosso potencial, até que enfim enfrentadas pela presença convincente do seu governador num stand da Paraíba montado na Bolsa de Turismo de Lisboa. Stand visitado pelo presidente de Portugal.
*Coluna publicada originalmente na edição impressa de 03 de março de 2024.