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A serra de Areia

publicado: 20/11/2023 11h34, última modificação: 20/11/2023 11h34

por Gonzaga Rodrigues*

A serra de Areia tem culpa pela minha apatia pelo mar. E não estou sozinho.  Para morar à beira-mar o areiense José Américo teve de plantar e cultivar uma Areia por trás de casa. Areia de mangueiras, sapotis e frutas brejeiras. Só faltou a gameleira, que era ele.  Para mostrar que estava além e acima dos climas, associou às fruteiras conterrâneas uma fruta de agreste, a jabuticaba, que veio plantar aos 80 anos sabendo dos quinze para chegar à colheita. Não sei agora, depois que inventaram a Embrapa, a Emepa, capazes de colorir algodão ou monitorar o cultivo da mangaba, num esforço utópico para mudar os índices agrícolas da Paraíba.

Isso não tem quem mude, disse-me, numa de nossas andanças, o patoense Ronald Queiroz, levando em conta não somente as quizilas do regime econômico e social como, principalmente, a aridez dos dois terços do território.

De outra vez ouvi a mesma coisa de um não especialista em economia ou em ecologia, o conselheiro Nominando Diniz, de pais e avós sertanejos, calejados nas vicissitudes da terra. Eu errava na comparação, achando que a Paraíba, por ter mais água que o Rio Grande do Norte, lograsse mais possibilidades de lavoura. Nominando corrigiu: “Engano seu, o Rio Grande do Norte tem terras melhores que as nossas”.

Custava-me acreditar, subindo a serra umbrosa do meu mundo, que não sobrasse húmus para a Paraíba inteira, ainda que em terras do cariri e seridó. A espiga de milho que a antiga Ancar plantara na Cajazeiras de João Rodrigues dava três das que quebrávamos entre Areia e Alagoa Nova.

"Mas o 'clima europeu em pleno verão tropical' não me parecia apenas discurso americista"  --  Gonzaga Rodrigues

Mas o “clima europeu em pleno verão tropical” não me parecia apenas discurso americista. À medida que você ia rodeando a Serra da Onça ou da Gameleira, os cortes da estrada minados de água, o arvoredo fechando o túnel úmido da sua passagem, o frio ao meio-dia. Aí, então, a sua natureza vai entranhando serra adentro, retemperando a crença e a força que motivaram as obras do espírito e as do Anel do Brejo.

Mas onde vi melhor a cidade de Areia foi da janela ao nascente do coronel José Henrique, da mesma patente popular de Zé Rufino, sendo tabelião de cor acaboclada como eu. Um fervoroso militante cultural de sua terra. Fomos visitá-lo, há dez anos, eu e seu amigo José Octávio, ele tentando se restabelecer de um acidente nos batentes de casa.

“Na nossa idade os batentes não ajudam muito.” – advertiu-me, o leito encostado à janela com as duas folhas abertas para a opulência verde que vinha na crista infestar seu espírito, Areia “suspensa sobre abismos” como a habituar seus filhos com os espaços infinitos.

Espaços que revejo agora retemperado pela autonomia de espírito que Horácio de Almeida herdou disto tudo. É como lhe sai este seu “Brejo de Areia”, uma das próximas reedições de A União, a mão carregada nos Miranda Henriques, Costa Pereira, Soares da Costa, Correia Lima, Guedes Pereira, Santos Leal, Costa Machado, Coelho Lisboa, os Borges, os Costa Gondim e demais troncos que entraram com Areia na hegemonia política e cultural da Paraíba de 1824, 1848, a força de sua economia e de seu espírito a animar a ousadia anticolonialista.

 Nesse tempo Areia ia de Guarabira a Bananeiras ou mais longe até. Os capitais transmudados de Goiana e de Mamanguape e voltando multiplicados para Olinda e Recife. Dessa fuga veio a guerra de 1930, João Porteira obrigando a ficar na Paraíba o que se gerava na Paraíba. Assassinado a outro pretexto, ainda que a usurpação dos nossos recursos fosse denunciada num livro de 1600, assinado por Ambrósio Fernandes Brandão, senhor de engenho na várzea do Paraíba.

Mas o que pretendo agora é abrir a janela de quem se despediu de nós em 2017, mas ainda hoje inspira vida em todos. Grande José Henriques!

*Coluna publicada originalmente na edição impressa de 19 de novembro de 2023.