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Basta

publicado: 29/05/2023 11h51, última modificação: 29/05/2023 11h51

por Gonzaga Rodrigues*

Bom de ler, esse nosso Ramalho Leite. E desde cedo, desde a primeira convivência, bom de esperar e ouvir o que vinha em verve da sua conversa ou dos seus reparos e repentes!
Na semana que se foi, reconstituiu-nos, talvez melhor que na aparência do real, um quadro típico do regime de 1964 acontecido com a visita do ex-presidente Juscelino, convidado que fora a participar do Carnaval do nosso antigo Cabo Branco como hóspede do recém-inaugurado Hotel Tambaú.

O hotel, como se sabe, inaugurado por Agripino e reinaugurado por Ernany, tornara-se de repente a nossa melhor e mais ostensiva peça de propaganda. E JK, com suas amizades na Paraíba, aqui baixou com as companhias do seu melhor agrado, Fernando Cunha Lima, meu belo colega do Pio XI de Campina, à frente de todos.

“Era março de 1972, Juscelino Kubitscheck, ex-presidente cassado pelo regime militar, cujo primeiro presidente ajudara a eleger com o seu voto e seu apoio” – começa e sai por aí Ramalho numa narração espirituosa do começo ao fim, o texto escrito, impresso, tingindo o papel desde a primeira linha transfigurado na mais viva e espontânea colheita típica do antigo Ponto de Cem Réis.

Se uma boa conversa já é difícil, calcule-se deslindá-la na versão escrita. Sebastião Nery ainda detém a melhor palma nesse ramo. Mas o partido de Ramalho não se limita à pura exploração do humor, que é tempero, é estilo. Sutil, se vem do clássico Machado de Assis, ou popular como o do nosso José Cavalcanti. Ramalho é o contador de história que leva a sério a História.

O que aconteceu aqui, fazendo o ex-presidente cair numa grossa esparrela, é um ato de traição que não chega a ser hediondo, mas não escapa, no conceito comum do comportamento humano, a um ato condenável.

Vem o episódio, do qual nunca cheguei a saber com esses detalhes, e vem a lição que corresponde à grandeza de espírito de Juscelino, desconhecida ou deslembrada de muita gente. Não precisa ir longe para quem leu, na última quinta-feira, a crônica de Ramalho.

Nos meus limites de hoje não sei até onde vai este nosso bem amado jornal de papel do meu particular acesso. Sei, com certeza, que leituras desse feitio e desse espírito não me deixam sentir falta dos que assinavam ao lado de Neri ou Otto Lara Rezende nos jornais do nosso colonialismo metropolitano.

Se uma boa conversa já é difícil, calcule-se deslindá-la na versão escrita

E Ramalho não está só: o editorial com que A União tratou o racismo da torcida espanhola com o jogador Vinícius Júnior, o “Basta!” a que me acostei à força do nosso jornalismo, dispensa-me de melhor e mais forte opinião expedida por qualquer jornal do mundo: “Há pensadores que entendem o universo como um grande espírito, cuja essência seria o amor, a sabedoria, a justiça. Ecoaram e continuariam ecoando, neste cosmo fraternal, os gritos de dor e de revolta da população negra injustiçada? E se foram e continuam sendo ouvidos os que sofrem, neste espaço desconhecido, serão compensados os maltratados e justiçados aqueles e aquelas que os maltrataram?”

Textos que me colocam no centro do mundo sem sair da divisa entre a Torre e Expedicionários.

*Coluna publicada originalmente na edição impressa de 28 de maio de 2023.