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Bichara e José Vieira

publicado: 07/05/2023 00h00, última modificação: 08/05/2023 12h47

por Gonzaga Rodrigues*

“Por que um autor é consagrado e outro mestre do mesmo oficio é esquecido?” Quem fez a pergunta há muito tempo, com acento forte em “mestre do mesmo ofício”, foi um leitor-escritor de profunda vivência cultural, o saudoso Ivan Bichara Sobreira, intrigado com o desconhecimento do público e a negligência da posteridade letrada em relação às obras do paraibano José Vieira, tornado romancista brasileiro a partir de 1923 com o romance “O Livro de Thilda”.

Num ensaio de 1980, Ivan Bichara tenta responder a essa questão nem sempre de natureza subjetiva, começando por estranhar o sucesso de crítica alcançado ao lançamento da obra de Vieira e o limbo em que, com o tempo, ela inteira foi mergulhada.

“Há nisso, além do problema do temperamento, fatores externos estranhos ao valor das obras literárias?” – insiste o crítico mais tarde, já setentão, realizando-se como ficcionista.

A resposta simplista estaria em que a repercussão e o tempo de uma obra artística resistem na própria obra, na sua afinidade com o gosto da época ou na superação desses limites. Some-se a isto o gosto do grande público e o gosto da elite cultural, colocando em ibopes distintos “Grande Sertão: Veredas” e “Menino de Engenho”, obras maiores da ficção brasileira.

José Vieira teria falhado em sua arte? Sob esse aspecto a falha também teria sido da crítica. Não foram menores, entretanto, os que bem o receberam em seu tempo: Tristão de Ataíde, Grieco, seguidos de Antônio Cândido, Valdemar Cavalcanti, Wilson Martins, Álvaro Lins, Adonias Filho, gente que não admite suspeições.

É espontâneo o entusiasmo de José Lins do Rego quando conheceu José Vieira por indicação de José Américo: “Era estudante quando li no Diário do Estado da Paraíba um artigo de José Américo sobre um livro novo, ‘Sol de Portugal’, de autoria de José Vieira. Era um admirável paisagista aquele que se embriagara com a cor e a luz das terras de Nobre. Nunca lera, a não ser em Eça de Queiroz, trechos mais vivos, mais coloridos sobre as aldeias, os vinhedos, as praias de Portugal”.

José Vieira, que também passou batido, sem propósito, numa das coletâneas de autores paraibanos aprontada pelos novos da nossa melhor crítica literária, já no final dos anos 1980, só numa edição posterior, composta por quase a mesma equipe de “O autor na escola”, é que o mamanguapense chegou a ser justiçado, desta vez com nota biográfica e visão crítica de Hildeberto Barbosa Filho, sempre dedicado aos valores da terra, consagrados ou não.

Dele, Vieira, cheguei a ler “Cadeia Velha” – Crônica do velho Senado, que pelo tema e o estilo não deixa de nos lembrar Machado de Assis. Li Pedro Malazarte, reeditado na Paraíba no governo de Ernani Sátyro. Mas não posso criticar com muita autoridade os que, excetuando Ernani e Bichara, venham esquecendo o romancista brasileiro que foi Vieira. Acabamos de editar quatro belíssimas coletâneas abrangendo novos e velhos das nossas letras, um empreendimento cultural do governo do Estado através de A União, e novamente sobramos em Vieira.

Sabendo dessa importante iniciativa, talvez coubesse a mim, de vínculos já históricos com a editora, lembrar ou sugerir a inclusão de um nome que quase todo dia passo por ele, dado, no governo de Ivan, à escola estadual vizinha ao Espaço Cultural.

*Coluna publicada originalmente na edição impressa de 7 de maio de 2023.