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Com os olhos no chão

publicado: 26/06/2023 00h00, última modificação: 03/07/2023 13h05

por Gonzaga Rodrigues*

Particularmente, não tenho de que me queixar. Uma pessoa de hábitos e haveres comuns, guindada a um ofício dos mais perecíveis, não havia de obter mais favores da gente letrada e do público - e por mais tempo - do que este pequeno caboclo que, por acidente, foi colocado nas santas mãos de D.Antonina Freire Ibiapino, tornada Rodrigues depois de deixar as vestes de beata e casar com Manuel Avelino, construtor braçal de uma engenhoca nos fundões entre Areia e Alagoa Nova.

Estive lá na semana passada, recebido fidalgamente, oitenta anos depois, pelos donos atuais do Vitória, o belo casal Deyse-Aquiles Leal, versão moderna e gentil da ancestral aristocracia do engenho, casa e capela.

 A paisagem é outra, hoje, outra a hegemonia da cana que cobre o meu antigo mundo sortido de fruteiras e de roçados variados.  Em lugar da rapadura, açúcar do pobre, moem-se agora toneladas e mais toneladas de cana que vão adocicar com hálito de melaço a imensa clientela de aguardente conquistada mundo afora e  em todas as classes sociais.

Minha crônica, sobretudo em “Sítio que anda comigo” está impregnada desses cheiros e sabores..

 Achei sempre difícil ou muito enganoso avaliar o quilate do meu artesanato. Não é fácil fazer a própria depuração.

 As Notas do meu lugar foram escolhidas com a parceria de confrades que já se foram como Nathanael Alves, Martinho Moreira Franco e Luiz Crispim, para inaugurar a Editora Acauã, em 1978. Um sítio que anda comigo teve a ajuda forte de Ângela Bezerra de Castro; Filipéia e outras saudades é que é de toda a minha culpa, aliciado pela leitura de Celso Mariz, Coriolano de Medeiros e Juarez Batista, escritores de vocação que me seduziram para a história da Paraíba.

Ao lado do verde, do ar sutil de que já falava o governador holandês Elias Herkman, me senti em casa nesta cidade, as ruas de entrada sem muita diferença das cidades do meu interior. Convivendo numa Casa do Estudante de interioranos sertanejos ebrejeiros, não era outro o sentimento entre eles. E me senti em dívida com a cidade próxima dos seus 400 anos, merecendo a consideração em prefácio do  historiógrafo José Octávio.     

Com os olhos no chão, coletânea de hoje, me pareceu justificar-se porque nenhum desses meus três livros suscitou reedição. Notas do meu lugar levou quarenta anos para esgotar. Apenas Café Alvear e Retrato de memória pareceram me pedir uma reedição melhorada. Depois vieram as novas, dessa fase do adeus ao jornal impresso, acolhidas  pela A União de todos os tempos.  

Minha dívida com a crítica começou pelas Figuras e Fatos, último livro do venerável Celso Mariz, editado em 1976. Flagra-me vindo de Alagoa Nova, passando por Campina “onde não sei se foi estudante ou vagabundo – diz ele.  

Não vou nomear aqui a lista interminável de incentivadores de ontem e de hoje que se seguiram ao grande Celso de meio século atrás. Iria omitir, passar pelo pior dos remorsos para quem escreve.  

Coube espontaneamente a Juca Pontes, que vi nascer nas artes do editor insuperável, tomar a si a feitura desse novo livro. Com ele veio juntar-se novamente a mim Flávio Tavares, a quem eu já não podia mais pedir, pelo tanto que lhe devo. A recolha e sucessivas seleções é mais de Paulo Emmanuel do que minha, ele muitas vezes constrangido com a depuração. Se o leitor não quiser perder tempo indo mais adiante, fique com a epígrafe que fui buscar em Fernando Pessoa.

*Coluna publicada originalmente na edição impressa de 25 de junho de 2023.