Vitória Lima, que entre outros dotes e conquistas de justo orgulho se confessa plena com o de professora (foi como se deixou ver ao ser homenageada pela UBE local, em ato extensivo a Solha e ao autor carunchado destas notas), acaba de dedicar suas duas últimas crônicas à Amizade.
Se sabe muito, não sabe nem poderia saber a extensão do quanto pôde a amizade na vida deste devedor de ontem e de sempre. As amigas de Vitória, personagens que souberam elevar, irmãmente, a vivência feliz de afinidades ao tom de ode – Ode à amizade é o título da crônica – deram-se em espírito, bem se vê, em emoções ou sob a treva de alguma solidão, da qual nem os príncipes do tempo dos “ensaios” de Bacon e Montaigne estavam livres.
E saí a pé, ardendo no sol do meio-dia sem ter a quem perguntar
Gonzaga Rodrigues
Num dia do último outubro, procurando um restaurante escondido num térreo de Tambaú, onde a Academia Paraibana de Letras se confraternizava, despachei o táxi na indicação errada. “Não é aqui, é mais na frente” foi a única ajuda que encontrei. E saí a pé, ardendo no sol do meio-dia sem ter a quem perguntar, sem o costume do celular no bolso, sem vivalma nas calçadas, sem janela com vestígio humano a me orientar, completamente perdido na terra que adotei e dela jamais saí. Há anos, perdido no Rio, sem saber onde estava, sem acertar com o ponto do ônibus, sem grana para dar com a mão ao táxi, tudo em plena noite de comércio fechado, não me senti pior por mais que me apavorassem, na noite do Rio, as histórias dos assaltos de navalha. Foi mais desespero do que solidão. Mas foi de que me lembrei ao tropeçar os noventa anos por calçadas que vi subir de conhecidas restingas.
O que tem isto com Amizade? Tem muito. Eu fazia parte daquele almoço. Nele estive em diferentes ocasiões, mesmo quando a solidão apenas se ensaiava. A Academia ainda é o que me resta da vida em comunidade, do convívio coletivo, desde o internato, o colégio, o trabalho, no contato direto com a natureza do homem e do meio de onde procedemos e onde vivemos. Filho único, menino de sítio, sozinho nos seus medos e nos seus brinquedos, conheci de uma vez só, no internato, Tota e sua Araruna, Amaury e seu Taperoá, Gilvan e sua Acary, Ailton e seu Piancó, Benito e seu Pombal. E assim os homens e as suas terras. Crescido, andando por todas elas, só fiz constatar. E assim na Casa do Estudante, no Ponto de Cem Réis e nas sucessivas redações por onde passei. A Academia tornou-se o estágio final, o reencontro sem mais ambições que nos possam separar, mesmo quando isto acontece.
Dessa última vez cheguei tarde e cansado, vendo amigas e amigos de longe, o suor do rosto empastando a visão. Cedem-me uma vaga próximo a Roberto Cavalcanti. Roberto me cobre de cuidados. Sugere meu prato, pede, paga, e terminado o repasto convida-me a sair com ele, que vem me deixar no batente de casa, tal como fazem meus filhos e velhos amigos. Parece pouco quando o assunto é de grandes amizades. Nossas relações são antigas, vinculadas a empresas e ao jornal, no qual recebi o melhor tratamento. Mas sem gestos além do cordial, do respeito mútuo. A surpresa é que ali e naquela hora Roberto apareceu por todos os amigos.
*Coluna publicada originalmente na edição impressa de 28 de janeiro de 2024.