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De pequenas obras também se vive

publicado: 17/02/2025 10h23, última modificação: 17/02/2025 10h23

por Gonzaga Rodrigues*

Há pequeníssimas coisas que dispensam autoria, mas que terminam trazendo do borralho de nossas vaidades a parte que temos com elas. São autorias que não vão além do autor e que justificam aquelas memórias saudadas por Flávio Sátiro em ensaio circunstancial como “a história por dentro”, ou seja, o depoimento narrado sem pretensões historiográficas, como quem abraça ou acarinha um álbum, nem sempre fotográfico, de instantes incrivelmente memoráveis, que nunca nos largam e que os de fora jamais se darão pela significação deles. Os que nos alimentam para a vida toda, mesmo repousados ou colados lá no fundo da consciência e por um nada sobem à tona.   

Nesse último 2 de fevereiro, 132º aniversário de A União, voltei a sentir uma das cicatrizes de minha parte com este jornal. Muito menos pelo que cheguei a dar do que pelo que recebi. E regredi à velha história que nunca me larga: da criança de ano e meio que fui e que mudou de vida e de destino ao se ferrar nas brasas de um ferro de engomar que despencou e derramou-se por cima dela. Tão marcante como as cicatrizes que não readquiriram pele nova.

O quarto poder se sacramentava nas linhas neoclássicas de A União   --  Gonzaga Rodrigues

Pois sim. Que pequena coisa sai de tão longe para explicar esse instante de vaidade advindo à primeira olhadela no jornal de agora?

Na gestão anterior à minha, numa das direções do jornal que Ernani Sátyro levou para o Distrito, Antônio Barreto Neto apôs em sua sala, no tamanho grande, uma fotografia das de Rafael Mororó apanhada a partir das colunas romanas que sustentavam a bela varanda aberta para o conjunto harmônico de palácios que entornam a antiga Praça dos Três Poderes: o do governo a ser museu, o da Justiça e o da Igreja. (Digo antiga porque era outra a praça que é hoje um peleiro, uma nesga de Semiárido em contraste com a riqueza do monumento a João Pessoa).

O quarto poder sacramentava-se nas linhas neoclássicas de A União, vindo abaixo no governo anterior, mas de pé no espírito, na gratidão de Barretinho, o moço sertanejo que fez sua carreira profissional e cultural a partir de um jornal que era um templo de formas consagradas, já sem a águia na abóbada desaparecida uns seis ou sete governos antes. 

Eis A União que se faz continuar na fidelidade das suas crias, a bela foto de frente com o birô de Barreto. E chego eu para o remate, sucedendo ao companheiro que vi surgir, e chamo Nathanael (presidente), Agnaldo Almeida (o editor), Milton Nóbrega, o diretor de arte, propondo a inserção imediata da foto histórica em sua primitiva versão, recomposta em sua águia, no cabeçalho do nosso jornal, medindo força e prestígio com o logotipo. Ganho unânime, ficando a junção feliz a cargo de Milton. Era a forma que nos restava de corrigir o equívoco do ex-governador, que podendo (e como podia!) desapropriar três ou quatro casas comuns ao lado do Banco do Brasil e lá construir o prédio da Assembleia, esqueceu a história (ou o que representava e representa o jornal republicano) para o nosso passado cívico e cultural.

 Hoje, já bem distante dessas circunstâncias, a gravura simbólica perdeu de tamanho, já quase desparecendo sob o cabeçalho. Mas o leitor não imagina como me sinto orgulhoso com o pouco que resta. 

*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 16 de fevereiro de 2025.